Tão importante quanto a bulimia e a anorexia, pouco se fala do Transtorno de Compulsão Alimentar Periódica (TCAP), que apresenta uma prevalência maior na população geral (3% a 5%) – quando comparados aos problemas citados acima, que ficam entre 1% e 05%, respectivamente – e atinge cerca de 30% das pessoas obesas que procuram tratamento para obesidade. Apesar de bastante freqüente nesse grupo, o TCAP também acomete indivíduos com peso considerado normal. “Até 1/3 dos pacientes relatam que tornam-se obesos após desenvolver o TCAP”, afirma Sergio Carlos Stefano, psicólogo do Programa de Orientação aos Pacientes com Transtornos Alimentares (PROATA) da UNIFESP.
O TCAP acomete, de forma quase equivalente, ambos os sexos, numa proporção de três mulheres para dois homens, e manifesta-se mais tardiamente que a anorexia e a bulimia, entre os 20 e 30 anos. É definido, atualmente, por episódios recorrentes de ingestão, em curto espaço de tempo, de uma quantidade de alimentos definitivamente maior do que a maioria das pessoas consumiria num período e circunstâncias similares e com a sensação de perda de controle sobre o que ou quanto está comendo, seguido por um sentimento de culpa e angústia profundas. “Para se ter noção do tamanho do descontrole e da gravidade da situação, há casos de pessoas que já quebraram os dentes por comer comida até mesmo congelada”, explica Stefano. “Em um único episódio de compulsão, que geralmente ocorre escondido, longe dos olhos alheios, a pessoa pode consumir mais de mil calorias”.
Entretanto, de acordo com o psicólogo, a compulsão alimentar não está associada a comportamentos compensatórios inadequados como jejuns, exercícios excessivos e purgação, nem ocorre durante o curso de anorexia ou bulimia nervosa. “Pessoas que, eventualmente, passam longos períodos do dia sem se alimentar e depois assaltam a geladeira, não se enquadram na compulsão”, diz. “O diagnóstico é feito pelo relato de dois ou mais episódios, por semana, do consumo descontrolado e excessivo de alimentos nos últimos seis meses, seguidos por marcado sofrimento que compromete sua qualidade de vida”.
Mais depressão e complicações clínicas e metabólicas
Estudos também apontam que os indivíduos obesos com TCAP têm duas vezes mais chances de sofrerem problemas psiquiátricos, como depressão e ansiedade, e apresentarem uma imagem corporal mais negativa de si mesmo que àqueles que não apresentam compulsão. De acordo com esses estudos, além das implicações da obesidade para a saúde, — maior risco de mortalidade decorrente da hipertensão arterial, dislipidemia, diabetes, doenças cardiovasculares, entre outros – e dos problemas psiquiátricos decorrentes, também são descritos discriminação no trabalho, menos oportunidades de emprego, dificuldades em chegar à universidade e menor número de amigos e relacionamentos amorosos.
Terapias e antidepressivos
De acordo com Sergio Stefano, as intervenções combinadas com psicoterapias e uso de antidepressivos parecem ser as mais eficazes no tratamento do TCAP. “Estabelecer hábitos saudáveis de alimentação e ajudar o indivíduo a evitar formas de hiperalimentação também são importantes para o sucesso do tratamento”, afirma.
Stefano está desenvolvendo uma cartilha – a primeira no país – com informações detalhadas sobre o TCAP com o propósito de ser uma primeira intervenção entre o diagnóstico e a espera das consultas. “Ao invés de ficar esse tempo sem esclarecimento das prováveis dúvidas que possam aparecer, pretendemos que a cartilha ajude a implementar mudanças tanto no comportamento como na alimentação dos indivíduos com compulsão”, explica o psicólogo.
O projeto da cartilha será apresentado no VIII Congresso Brasileiro de Transtornos Alimentares e Obesidade, que acontecerá em São Paulo, entre os dias 11 e 13 de junho, sob a organização do PROATA da UNIFESP.
Entenda os critérios diagnósticos do TCAP
- Ingestão, em até duas horas, de uma quantidade de alimentos definitivamente maior do que a maioria das pessoas consumiria em um período e circunstâncias similares;
- Sentimento de falta de controle sobre o que se come e do quanto se come.
Associados a três ou mais dos critérios abaixo relacionados:
· Comer muito e mais rapidamente do que o normal;
· Comer até sentir-se empanturrado;
· Comer demais quando não está sentindo realmente fome;
· Comer sozinho por ter vergonha da quantidade que consome;
· Sentir repulsa por si mesmo, depressão ou demasiada culpa após comer excessivamente;
· Angústia pela compulsão;
· Freqüência dos episódios deve ser igual ou superior a duas vezes na semana, nos últimos seis meses.
Sobre a UNIFESP
Criada em 1933 por um grupo de médicos reunidos em uma sociedade sem fins lucrativos, a Escola Paulista de Medicina (EPM) foi federalizada em 1956 e, em 1994, transformada em Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), primeira universidade especializada em saúde no País. Atualmente, com 18 mil alunos matriculados nos cursos de graduação, pós-graduação e demais programas de pós, a UNIFESP conta com 874 docentes, sendo que 93% possuem título de doutor, um percentual que marca a qualidade de ensino oferecida por uma das universidades que mais cresce no País.