Além dos 25,8 milhões habitantes da Amazônia brasileira, estimados em 2007 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há um grupo significativo de pessoas que não integra essa estatística oficial. São refugiados, deslocados e migrantes de outros países, que também vivem na região, mas não aparecem nos censos do órgão nacional de pesquisas demográficas e dos próprios órgãos de controle de imigração, em função da dificuldade para identificá-los no vasto território amazônico.
A Colômbia é a que mais “gera” refugiados e deslocados para a Amazônia, em função da proximidade geográfica e da crise humanitária que assola o país há 40 anos e que já levou à diáspora cerca de 3 milhões de pessoas. “Já ocorreu de duas mil pessoas cruzarem a fronteira brasileira em um único dia em busca de segurança”, afirma o consultor da unidade regional no Brasil do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), Gabriel Gualano de Godoy. Ele abordará esse assunto em uma conferência durante a 61ª Reunião Anual da SBPC – evento que a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) promoverá de 12 a 17 de julho em Manaus (AM).
Atores do conflito – Para fugir de grupos guerrilheiros, como as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farcs) ou dos narcotraficantes, é comum colombianos saírem das cidades de Putumayo, Marinho e Vale do Cauca, e irem para a cidade de Letícia, na fronteira com o Brasil, para chegarem até Tabatinga (AM). Em território brasileiro, eles seguem para cidades como São Gabriel da Cachoeira, na região conhecida como “cabeça do cachorro”.
Além de colombianos urbanos, há também ribeirinhos e indígenas nessa situação. Por conhecerem bem a floresta, eles são os mais vulneráveis ao recrutamento forçado por grupos paramilitares. “Há casos de indígenas recrutados forçosamente por grupos armados irregulares. Isso aconteceu com os ticunas, da Colômbia, que foram empurrados para o Brasil e tiveram de ficar junto com os ticunas brasileiros para fugir de grupos como esses atuantes na Colômbia”, exemplifica Godoy
Sem ajuda – A maioria não chega nem a protocolar um pedido formal de refúgio e logo regressa ao país de origem, o que dificulta identificá-los e até mesmo saber em que situação se encontram: se são refugiados, que fogem da perseguição temendo pela própria vida ou liberdade; deslocados, que saem do país em picos de crise e voltam depois que a situação acalma; ou simplesmente migrantes em busca de melhores condições de vida. “Esse contexto dificulta oferecer ajuda jurídica e financeira aos refugiados e deslocados – que compõem a população assistida pelo ACNUR”, afirma Godoy, lembrando que, além disso, há o agravante de a Amazônia ser uma região de fronteiras abertas com um fluxo intenso de pessoas e um número expressivo de gente vivendo à beira dos rios ou nas matas. Ou seja, praticamente escondidos dos dados oficiais.
De acordo com Godoy, apesar de a Lei de Refugiados vigorar no Brasil há mais de dez anos e os órgãos de governo, como a Polícia Federal, já estarem capacitados e familiarizados com os procedimentos para concessão de refúgio, é necessário difundir melhor esse processo em algumas regiões, especialmente na Amazônia. “Como na maioria das vezes o caminho de acesso dos refugiados ao Brasil na Amazônia é feito nas áreas remotas do País, são nessas regiões onde é preciso capacitar os agentes de fiscalização e esclarecê-los sobre a Lei de Refúgio”, diz.
Outra barreira a ser removida é o preconceito. Após conseguir entrar no Brasil e dar o passo mais complicado, que é obter a documentação e regularizar sua situação legal, o refugiado tem dificuldade de conseguir trabalho, principalmente se for colombiano. “Há um estigma muito forte contra o colombiano e o afro-colombiano no Brasil, que muitas vezes é mais acentuado na Amazônia.” Isso sem contar a dificuldade do aprendizado da língua, de arrumar emprego, alcançar autonomia econômica e aprender a viver em uma outra cultura, entre outros percalços.
Serviço: A conferência com o tema “Migrações e refugiados na Amazônia” será realizada no dia 16 de julho, às 10h30, durante a 61ª Reunião Anual da SBPC que será realizada a partir do dia 12 em Manaus (AM), no campus da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). O evento, cujo tema é “Amazônia: Ciência e Cultura”, contará com 175 atividades, entre conferências, simpósios, mesas-redondas, grupos de trabalho, encontros e sessões especiais, além de apresentação de trabalhos científicos e minicursos. Veja a programação emwww.sbpcnet.org.br/manaus.