No nordeste brasileiro, a modernização da agricultura destruiu o algodão arbóreo, uma planta perene que resistia à seca e integrava o sistema sustentável na lavoura do semi-árido, trazendo do sul temperado do país o algodão herbáceo. Modernizada apenas aparentemente, o alto consumo de fertilizantes químicos e venenos sintéticos foram subsidiados pelo crédito bancário, fortalecendo as estruturas coloniais de dependência na região. As sementes eram vendidas pelo governo do Estado e os demais insumos pelas transnacionais sediadas em São Paulo.
Foi no contexto de migração, evasão da riqueza, desorganização social e dependência de políticas assistencialistas resultantes, aliado à demanda internacional por “algodão orgânico”, que nasceu a idéia de uma cadeia produtiva do algodão agroecológico, um produto que, do começo ao fim, fosse desenvolvido de forma solidária, valorizando tanto o trabalho como a qualidade e a sustentabilidade ambiental.
O ponta-pé inicial foi a produção das bolsas para o Fórum Social Mundial de 2005, quando os empreendimentos da confecção desafiaram-se e adquiriram tecido de uma cooperativa de tecelagem, que, por sua vez, comprou o fio de outra cooperativa de fiação, fazendo, assim, acontecer uma outra Economia: as bolsas foram confeccionadas pela Cadeia Produtiva Solidária do Algodão, que, então, ainda não era o ecológico. Desde este início em 2004, o processo vem dando passos importantes. A criação da marca JUSTA TRAMA em 2005 e a criação da Central JUSTA TRAMA em 2007 são alguns deles.
São cerca de 700 trabalhadores em cinco estados do Brasil, homens e mulheres, agricultores, coletores de sementes, fiadoras, tecedores e costureiras. Os empreendimentos destes trabalhadores e trabalhadoras cobrem todos os elos da indústria têxtil – do plantio do algodão à roupa e quem está na produção da roupa JUSTA TRAMA é também o proprietário da marca.
A produção se dá em cinco etapas. A primeira é a do algodão agroecológico, em 9 municípios do Estado do Ceará, onde agricultores familiares associados plantam, beneficiam e comercializam o algodão em pluma para o resto da cadeia. As duas etapas seguintes acontecem em São Paulo. O algodão é enviado para a Cooperativa Nova Esperança – CONES, em Nova Odessa, que produz do fio de algodão e depois, na terceira etapa, o fio vai para o município de Santo André, onde a STILUS COOP transforma o fio em malha.
A quarta etapa, a confecção das roupas, é feitas por duas cooperativas do Sul do país. A Cooperativa de Costureiras UNIVENS, de Porto Alegre/RS, e COOPERATIVA FIO NOBRE, de Itajaí/SC. E a quinta etapa, extração das sementes para serem aplicadas nas peças de vestuário em forma de bordados, botões e outros acessórios, é realizada pela Cooperativa Açaí, que fica em Porto Velho, Rondônia.
O modelo produtivo em que não se prejudica a natureza e onde os maiores beneficiários são aqueles que atuam direta ou indiretamente com o algodão, contribui com a fixação do homem no campo e a geração de trabalho e renda digna e estável no meio rural. Com o beneficiamento do caroço do algodão compõe-se ainda um conjunto de estratégias de sobrevivência de grande importância social e econômica para a região.
A produção está em vias de obter a certificação, o que deverá incentivar o comércio internacional. As vendas diretas das peças vêm ocorrendo através de eventos e feiras de Economia Solidária e, de modo especial, por telefone e pelo site. A marca JUSTA TRAMA é cada dia mais demandada e cresce respeitando, sempre, o planeta e o bem-estar de quem planta. A solidariedade vai do primeiro ao último elo da cadeia produtiva: nós, os consumidores.
Por Elizabeth Horta Correa