Excesso de hormônio tireoidiano (T3), obesidade, hipertensão e diabetes podem fazer a massa do coração crescer em até 20%, podendo levar à morte. Uma pesquisa desenvolvida na Universidade de São Paulo (USP) descobriu um dos mecanismos pelos quais o T3 atua nesse processo contribuindo para que futuros medicamentos possam ser produzidos para bloquear o crescimento cardíaco.
“Descobrimos que o T3 provoca o crescimento do coração por meio de uma via bioquímica conhecida pela sigla WNT. Quando essa via é inibida, o hormônio não consegue fazer o coração crescer”, disse o biólogo Anselmo Sigari Moriscot, professor associado do Departamento de Biologia Celular e do Desenvolvimento do Instituto de Ciências Biomédicas.
Moriscot coordena o projeto “Papel da beta-catenina na resposta cardíaca promovida pelo hormônio tireoidiano”, apoiado pela FAPESP por meio da modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular, e o Projeto Temático “Aspectos celulares e moleculares da plasticidade muscular”, entre outros projetos apoiados pela Fundação.
A WNT é classicamente considerada uma via envolvida em proliferação celular. Quando funciona bem, ela é fundamental para a reposição e renovação das células do organismo. Seu funcionamento anormal constitui, porém, uma notória causa do câncer. “Descobrimos que essa via intermedeia também o efeito do hormônio tireoidiano no crescimento do coração”, disse à Agência FAPESP.
A técnica utilizada pela equipe foi a do rastreamento por microarray, uma estratégia de busca avançada que permite mapear o comportamento de aproximadamente 30 mil genes ao mesmo tempo. “O rastreamento por microarray é parecido com uma pescaria de largo espectro. Você lança apenas uma rede e colhe milhares de peixes de uma só vez”, comparou Moriscot.
Por meio do rastreamento por microarray, os pesquisadores conseguiram adquirir as pistas necessárias para identificar a associação entre a via WNT e o T3 no coração.
A pesquisa feita na USP traz a esperança de que, em um futuro próximo, inibidores farmacológicos capazes de interromper o crescimento do coração sejam desenvolvidos.
Mas não se trata de bloquear diretamente a via WNT, porque, possuindo essa uma expressão sistêmica, tal ação provocaria uma série de indesejáveis efeitos colaterais. O aumento da massa cardíaca seria interrompido, mas a capacidade de reposição e renovação celular também ficaria comprometida.
“A tática é atuar diretamente nas proteínas internas das células cardíacas, fazendo com que essas deixem de responder ao estímulo recebido pela via WNT. Essa é a forma de conferir especificidade ao tratamento”, disse Moriscot.
A busca por procedimentos terapêuticos cada vez mais específicos – portanto, com um leque cada vez menor de efeitos colaterais – é uma forte tendência da medicina contemporânea, amparada nos avanços da genômica e da biologia celular e molecular.
A equipe liderada por Moriscot, que reúne três pesquisadores principais, quatro pós-doutores, 12 pós-graduandos e vários estudantes em nível de iniciação científica, atua em pesquisa básica na área de saúde. O desenvolvimento de remédios não faz parte do escopo de atividades do time, mas nada impede que suas descobertas venham a ser aproveitadas por outros grupos de estudiosos e pela indústria farmacêutica.
Por José Tadeu Arantes
Agência FAPESP