“O homem é sempre sua própria doença. O que sofre da doença doce, quando a urina é sacarina, quase sempre é um temperamento auto-indulgente, que tem origem numa recusa egoística de cuidar dos outros, a não ser dele próprio. Assim, os outros não o amam e para satisfazer seu natural e humano desejo de amor come os doces da terra, em vez dos doces do espírito. Nada podemos fazer senão prescrever as carnes mais magras, os legumes e frutas que menos amido contenham e restringir ou omitir os doces. Pouco, entretanto, se consegue, a não ser a penosa privação e o prolongamento de uma vida restrita, a não ser que o paciente tenha um enfraquecimento do espírito e assim se habilite a amar, para além de si próprio”.
Médico de Homens e de Almas, de Taylor Caldwel
Nos dias de hoje…
Não é difícil imaginar um médico da era antes de Cristo discursando dessa forma sobre a dura sina de um diabético, descrevendo os sintomas da doença e finalmente, resumindo o único tratamento disponível, na época, a restrição extrema de alimentos. “Na era pré-insulínica, o rigor da restrição calórica, em geral, e dos carboidratos, em particular, levava à desnutrição dos pacientes e mesmo assim não impedia a alta mortalidade dos diabéticos dependentes de insulina e a alta morbidade dos não insulino-dependentes”, explica a endocrinologista Ellen Simone Paiva, diretora do Citen, Centro Integrado de Terapia Nutricional.
Atualmente, a orientação nutricional dos pacientes com diabetes se aproxima muito daquela direcionada às pessoas sem a doença, da mesma idade e sexo. O problema é que os benefícios da dieta e os riscos de não se segui-la são maiores nos diabéticos, em relação às pessoas sem a doença. “Nosso maior desafio é ajudar os diabéticos insulino-dependentes a contabilizar sua insulina em relação ao seu alimento e os não insulino-dependentes a alcançar e manter o peso ideal. Dito dessa maneira, parece simples, mas não é. A vida é cheia de exceções em nossa rotina alimentar e isso pode dificultar muito a performance dos pacientes mais empenhados”, diz a médica.
Hoje, o diabético precisa entender de um mundo que engloba valor calórico dos alimentos e gasto calórico diário, precisa entender de proteínas, carboidratos e gorduras, precisa reaprender a comer. “Para muitos isso é um verdadeiro tabu, pois o primeiro pensamento é que eles nunca vão entender como ou o que comer. O sentimento é de que terão que abolir os sabores mais apreciados. Para outros, que acham que já sabem de tudo, há um choque quando descobrem que há muito a aprender e que a rotina alimentar pode ser muito melhor e menos restritiva”, destaca a Ellen Paiva, Mestre na área de Nutrição e Diabetes pela USP.
Finalmente, o maior tabu na dieta dos diabéticos já caiu por terra há muito tempo: o de que eles não podem comer carboidratos. “Eles podem, inclusive, comer os ‘temidos’ açúcares simples, como a glicose, a frutose e até a sacarose. Para isso, entretanto, precisam orientação nutricional adequada”, explica a endocrinologista.
Vivendo com qualidade
Mais liberdade à mesa não significa que as pessoas com diabetes devam viver como se não tivessem a doença, pelo contrário, isso significa que elas devem se alimentar melhor para terem mais saúde. Quando um paciente de 50 anos, obeso e hipertenso, procura o endocrinologista para tratamento, ele deve ser orientado a seguir uma dieta muito parecida com a de uma pessoa que não tem diabetes. Se for diabético, o médico dará maior atenção ao fato de que ele tem maior risco coronariano, pela associação de fatores de risco.
“A primeira preocupação na dieta do diabético é o seu valor calórico. Se ele tem peso normal, as calorias serão calculadas no sentido de manter o peso, ou seja, em média 1800 calorias para uma mulher jovem e 2500 para um homem jovem. Esse cálculo é variável, na dependência do paciente praticar ou não exercícios físicos. Se o paciente tem sobrepeso ou obesidade, o médico, geralmente, calcula um déficit calórico de cerca de 500-700 calorias”, afirma a médica.
A orientação nutricional para esse paciente deve prever 3 refeições e 2-3 lanches. Esses lanches também podem ser negociados com o paciente, uma vez que dependem de sua fome e preferências alimentares. “Até o rigor nos horários das refeições dos diabéticos tem sido reduzido, uma vez que, no mercado, estão disponíveis drogas orais que podem ser tomadas minutos antes das mesmas e até insulinas que fornecem a cobertura basal, independente das refeições, e insulinas que também podem ser aplicadas no momento da refeição”, conta Ellen Paiva.
O que é permitido comer?
Quando pensamos em dieta, devemos entender que balancear é sempre a melhor saída, ou seja, uma dieta saudável deve contar com os três componentes essenciais das dietas: carboidratos, gorduras e proteínas. “Todas as vezes que abolimos um componente, haverá excesso nos outros dois, o que deve ser evitado sempre que possível. Um exemplo disso é a dieta vegetariana, que geralmente contém quantidades inadequadas e elevadas de carboidratos, pela ausência da proteína animal. Outro erro que podemos apontar está nas ‘dietas das proteínas’, que abolem os carboidratos e acarretam uma ingestão excessiva de proteína animal e gorduras”, explica a diretora do Citen.
Apesar dessas orientações – mais do que comprovadas – alguns trabalhos científicos bem controlados, em diabéticos tipo 2, tem revelado que após um ano de dietas muito diferentes – uma com menos carboidratos e, portanto, com mais gordura; outra com menos gordura e, portanto, com mais carboidrato, mantendo-se a mesma quantidade calórica, ambas resultaram na mesma perda de peso e no mesmo grau de compensação metabólico do diabetes. “Daí a importância da individualização das dietas, observando os níveis glicêmicos e de colesterol, o peso e a atividade física do paciente e suas preferências alimentares. Não existe uma dieta que seja indicada sempre para todos porque somos diferentes e temos gostos diferentes”, defende a endocrinologista.
Atenção às frutas
As frutas, muitas vezes, são uma armadilha para a dieta dos diabéticos. É comum o paciente classificá-las como alimentos muito saudáveis, que podem ser ingeridos à vontade. Na verdade não podem. “As recomendações são iguais aquelas destinadas aos não diabéticos, devemos consumir em média de 3 a 4 porções de frutas por dia, pois apesar de muito saudáveis, as frutas são calóricas e podem dificultar a perda de peso nos obesos e a titulação da insulina nos pacientes insulino-dependentes. Apesar da sua riqueza em vitaminas, minerais e fibras, elas contêm grande quantidade de carboidratos sob a forma de frutose e até sacarose”, conta a médica.
Ingestão de bebidas alcoólicas
O consumo do álcool tampouco deve ser abolido do cotidiano do paciente com diabetes compensado. As doses seguras são de até duas doses diárias para o homem e até uma dose para mulher, o que representa uma média de 15-30g de álcool. É importante lembrar que eles nunca devem ingerir álcool sem comer, devido ao risco da hipoglicemia e que o álcool fornece cerca de 7 calorias por grama consumida. “Essas orientações não são aplicáveis a todos os diabéticos, principalmente nos casos de diabetes descompensado, nos casos de pacientes com esteatose hepática ou gordura no fígado, nos pacientes com triglicérides elevados ou com risco de abuso ou dependência. Nesses casos, doses muito menores do que as doses máximas toleradas podem agravar o diabetes, elevar os triglicérides, acelerar a doença do fígado e levar ao abuso e à dependência”, alerta a endocrinologista.
Várias refeições diárias x risco do jejum
Já sabemos que pular refeições não faz bem ao diabético. Inicialmente, pelos graves episódios hipoglicêmicos ou de baixa do açúcar no sangue a que eles estão sujeitos, quando omitem do cardápio alguma refeição, seja por falta de tempo, negligência ou até pela compensação premeditada de um excesso alimentar cometido em uma refeição anterior.
Hoje, sabemos que pular uma refeição agrava a glicemia, após a próxima refeição. Essa constatação foi recentemente reforçada em uma das revistas médicas mais importantes em relação ao estudo do diabetes, o Diabetes Care. “O jejum favorece a liberação de estoques de substâncias muito deletérias para o metabolismo dos diabéticos, os chamados ácidos graxos. Isso acontece como uma forma do organismo prover de substratos energéticos um organismo em jejum e, portanto, carente dessas fontes de energia e que estão normalmente guardadas no fígado e na gordura corporal. Essas substâncias agravam a resistência insulínica e elevam ainda mais a glicemia, após a próxima refeição”, explica Ellen Paiva.
Consumo de carboidratos …
Os carboidratos sempre foram um tabu nas dietas dos diabéticos, mas é preciso que se diga que não foi de maneira indevida. Na verdade, são eles os grandes responsáveis pelas elevações glicêmicas que ocorrem após as refeições. Apesar disso, eles são fontes energéticas importantes e estão presentes nas orientações nutricionais das dietas padronizadas por todas as associações mundiais de diabetes, em torno de 50% do valor calórico dessas dietas.
Vale a pena explicar que os carboidratos estão nas frutas, nas leguminosas – feijões, ervilha, lentilha e grão de bico – nas massas e pães, arroz, batata, mandioca, milho e nos doces em geral. “Entenda-se então, que os 50% de carboidratos acima referidos devem ser ingeridos principalmente sob a forma de carboidratos chamados complexos ou amido. São moléculas muito grandes e compostas pela união de centenas de moléculas de glicose. No trato digestivo, essas moléculas são digeridas e liberam glicose para a corrente sanguínea”, diz a médica.
A dieta do diabético tem se tornado mais flexível também em relação aos carboidratos chamados simples, representados pela sacarose ou açúcar caseiro. Dentro desse contexto, os doces em geral deixaram de ser abolidos, tornando a dieta muito mais versátil e saborosa. “Também é importante o diabético entender que os doces estão dentro do contexto dos 50% tolerados para os carboidratos de uma dieta e que ele deverá reduzir as outras formas de carboidrato para comer doces”, avisa a endocrinologista.
Além disso, quando o diabético insulino dependente come um doce, ele deve corrigir sua dose de insulina ou deve reduzir as outras fontes de carboidrato da mesma refeição. “No caso dos diabéticos não insulino dependentes, é muito importante lembrar que a obesidade relacionada a essa forma de diabetes é um dos fatores que nos levam a orientar a retirada dos doces de suas dietas, como faríamos se eles não fossem diabéticos. O consumo freqüente de doces pode ainda agravar a excessiva produção de insulina desses pacientes, com piora de seus parâmetros metabólicos e aumento da obesidade”, explica Ellen Paiva.
O poder das fibras
As recomendações da ingestão mínima de 25g de fibras diariamente para o diabético se justificam pelo papel que elas desempenham no metabolismo da glicose e do colesterol. “Assim, sempre que possível, o diabético deve optar pelo carboidrato em sua forma integral, incluindo aí o arroz, o macarrão e os pães, além, é claro, das fibras encontradas nas frutas, verduras e legumes. No caso dos alimentos integrais, a absorção mais lenta da glicose, proporciona oscilações menores na glicemia após as refeições, além de induzirem a um período de saciedade maior entre elas”, conclui Ellen Paiva.