Considerado um dos três melhores romances brasileiros de 2008, o livro “Galileia” será alvo de debate, tendo como figura central o seu autor, Ronaldo Correia de Brito, uma das vozes mais originais da literatura brasileira contemporânea.
O debate e o lançamento do livro acontecerão dentro do programa Literato, no cineteatro do Centro Cultural Banco do Nordeste-Fortaleza (rua Floriano Peixoto, 941 – 2º andar – Centro – fone: (85) 3464.3108), na próxima terça-feira, 30, às 19 horas, com entrada franca.
Ronaldo Correia de Brito conversará sobre literatura e a sua obra em lançamento com os escritores Pedro Salgueiro e Jorge Pieiro, além do público presente ao Centro Cultural, que poderá formular perguntas por escrito.
Para Antonio Gonçalves Filho, crítico do jornal O Estado de S. Paulo, o modo de construção de Ronaldo Correia de Brito no romance “Galileia” é cinematográfico. “Econômico, conciso, cortante, ele reúne os fragmentos da tradição oral e ergue uma catedral literária com os cacos da ruína sertaneja e da tragédia clássica”, destaca.
História de vida e trajetória artística
Ronaldo Correia de Brito nasceu em Saboeiro, sertão dos Inhamuns, no Ceará, em 1º de outubro de 1950. Mora em Recife desde os 17 anos. É médico formado pela Universidade Federal de Pernambuco.
Desenvolveu pesquisas e escreveu diversos textos sobre literatura oral e brinquedos de tradição popular, além de ter sido escritor residente e professor visitante da Universidade da Califórnia, em Berkeley, no ano de 2007.
Escreveu os livros de contos “As noites e os dias” (1997), editado pela Bagaço, “Faca” (2003), “Livro dos homens” (2005) e a novela infanto-juvenil “O pavão misterioso” (2004), todos publicados pela Cosac Naify.
Dramaturgo e encenador, é autor das peças “Baile do menino Deus”, encenada já há 25 anos por todo o Brasil, “Bandeira de São João” e “Arlequim”. Escreveu durante sete anos para a coluna Entremez, da revista Continente Multicultural (Recife/PE), e atualmente assina uma coluna semanal na revista Terra Magazine, do Portal Terra.
Um releitura do sertão: romance “Galileia”, por Ronaldo Correia de Brito
Quando lancei As noites e os dias, em 1997, pela editora Bagaço, o poeta Alberto Cunha Melo escreveu que meus personagens são complexamente urbanos e habitam um sertão sem endereço certo, que pode estar em qualquer latitude. Em Galileia, os primos Davi, Ismael e Adonias procuram reconstruir suas vidas na Noruega, no Recife e em São Paulo, longe do sertão em que nasceram. Por mais que eles tenham se distanciado da violência que ronda a família, voltarão a senti-la de perto, descobrindo que nunca escaparam ao destino que os cerca.
O sertão tanto pode significar um espaço mítico como um acidente geográfico. Santo Agostinho perguntava sobre o tempo: o que é o tempo? Se não me perguntam eu sei, se me perguntam, desconheço. O que é o sertão? Se não me perguntam eu sei, se me perguntam desconheço. O sertão é abstrato ou real como o tempo. E continuará sendo tema para a literatura. O sertão é um espaço de memória confundido com o urbano. É o melhor lugar do mundo para acessar a Internet, porque as Lan Houses cobram apenas cinquenta centavos por hora. Galileia trata dessas idas e vindas, mergulhos e retornos nesse mundo suburbano chamado sertão.
Sou inteiramente aberto às influências. Não estou nem aí para qualquer tipo de fidelidade. Sou marcado pela escrita de Rulfo, Borges e de vários escritores russos. O livro que marcou mais profundamente minha escrita foi a História Sagrada, que sempre li como um compêndio de narrativas e nunca como um escrito religioso. Concordo com o ponto de vista de Robert Alter de que a Bíblia é prosa de ficção.
Eu precisava escrever um romance para ter mais espaço para discussões que não cabem no conto. Mas, sou um romancista conciso. Nunca conseguiria escrever centenas de páginas como os russos e os escritores de língua inglesa. Levei a mesma tensão dos meus contos para o romance. E isso se alcança em poucas páginas.
Trabalho duas propostas de Ítalo Calvino na minha literatura: a exatidão e a rapidez. Sou obsessivo em tentar dizer o essencial com poucas palavras. A cada dia me preocupo menos com o efeito das frases. Já não tento alcançar a beleza; prefiro alcançar a verdade. Quase não crio metáforas e censuro os adjetivos. Acho que sou esquemático, o que não deixa de ser um perigo para a literatura. Mas não suporto gorduras, sempre busco chegar ao osso.
Sou um escritor psicanalisado e minha escrita reflete isso. Nunca quis exercer o papel de psicanalista, embora tenha feito formação. Não conheço boa literatura escrita por psicanalistas. O hábito profissional da escuta e da escrita psicanalítica contamina a criação literária e o resultado é sempre ruim. Freud escreveu boa literatura. Não digo o mesmo de Jacques Lacan.
Quando terminei de escrever Galileia, tive a impressão de que havia escrito o roteiro de um filme. Escrevo sempre a partir de impressões visuais, arranjos de cena. Nunca escrevi por sugestão deste ou daquele texto literário. As imagens do cinema me sugerem muito mais profundamente do que um conto ou novela. Escrevo teatro com facilidade. Sou um homem de teatro, conheço a carpintaria teatral. Escrever para cinema e teatro é bom porque podemos acompanhar a encenação ou a filmagem, vemos a transformação do texto numa outra linguagem.
Escrever é um ofício custoso. É necessário ler muito, aguentar o tranco da solidão, ser capaz de uma viagem interior e estar sempre aberto às novas experiências da escrita. É um ofício amargo, duro, uma verdadeira ascese. Não vejo nenhum glamour em ser escritor. Só reconheço nessa profissão muito trabalho, uma busca permanente da literatura e horas contínuas de estudo.
Continuo trabalhando como médico e não pretendo me afastar da medicina, nunca. Escrever e atuar como médico são atividades sem conflito. Acho que não seria escritor sem o longo e exaustivo exercício da medicina. Todos os dias eu convivo com o sofrimento, com a doença, com a morte e a alegria da cura. Ouço histórias que anoto e que podem aparecer em algum conto ou novela. Em “Livro dos Homens” existem dois contos desenvolvidos a partir de minha vivência no hospital.
Só consigo viver fazendo muitas coisas. Todas elas estão harmonizadas e é como se eu me movimentasse dentro de um mesmo universo. Gostaria de escrever um livro que me deixasse satisfeito. Isso nunca acontecerá. Estou sempre esperando por esse livro. Ah, se fosse Galileia! Mas tenho consciência da minha permanente insatisfação e já estou trabalhando em novos livros. Queria viver mais serenamente, sem a angústia da espera. Não desejar e não esperar. Isso é quase a santidade.