As áreas utilizadas para cultivo agrícola em todo o mundo contêm fertilizantes demais – ou de menos. E os dois extremos implicam elevados custos tanto para o ambiente como para o próprio homem.
Os fertilizantes sintéticos aumentaram enormemente a produção de alimentos, mas o custo da poluição gerada pelo uso desenfreado tem sido cada vez maior – como a criação de zonas mortas, impraticáveis para o cultivo, em áreas costeiras no Golfo do México e em outros locais. De outro lado, muitas áreas precisam de um uso mais intensivo desses reforços químicos, para repor os nutrientes perdidos por conta da agricultura.
A situação paradoxal é destaque em um artigo publicado na edição desta sexta-feira (19/6) da revista Science, escrito por um grupo internacional de pesquisadores, entre eles o professor Luiz Antonio Martinelli, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo, um dos coordenadores da área de biologia da FAPESP.
Os pesquisadores analisaram o cultivo de milho em três diferentes países e contextos: Quênia, China e Estados Unidos. Nas pequenas plantações no país africano, solos antes férteis estão se empobrecendo à medida que os cultivos removem mais nutrientes do que os adicionados pelos esforços de fertilização.
No país mais populoso do planeta, campos são fertilizados de modo mais intenso do que em qualquer outro cenário, atual ou anterior, que tem levado o excesso de fertilizantes para o ambiente, degradando a qualidade da água e do ar, em grande problema ambiental.
O terceiro contexto analisado está no meio-oeste dos Estados Unidos, no qual a quantia de fertilizante empregada na agricultura de milho (em rodízio com a soja) era elevada, mas tem sido reduzida desde a década de 1990.
Os impactos negativos ao ambiente da utilização desenfreada de fertilizantes químicos têm levado muitos especialistas a defender uma drástica redução nesse uso, mas os autores do novo estudo apontam o problema de se adotar uma medida como essa, única, para todos os contextos agrícolas.
Enquanto algumas regiões usam fertilizantes demais, com sérios impactos ambientais, em outras, como na África subsaariana, onde mais de 250 milhões de pessoas estão insuficientemente nutridas, as quantidades adicionadas de nitrogênio, fósforo e de outros produtos são insuficientes para manter a fertilidade mínima do solo.
Na China, onde a fabricação de fertilizantes é subsidiada pelo governo, a produtividade média por hectare aumentou 98% entre 1977 e 2005. O motivo é o uso de reforços como o nitrogênio, cujo uso cresceu 271% no período. “As adições de nutrientes superou em muito as verificadas nos Estados Unidos e no oeste da Europa e grande parte da fertilização excessiva se perde no ambiente, degradando tanto a qualidade do ar como da água”, destacam os autores.
O artigo aponta que agricultores no norte da China usam em média 588 quilos de fertilizantes à base de nitrogênio por hectare cultivado, resultando em uma liberação de 227 gramas de excesso do elemento químico no ambiente. Segundo os pesquisadores, o uso poderia ser cortado pela metade sem perda na produtividade.
No outro extremo estão os países mais pobres do mundo. No Quênia, por exemplo, os agricultores usam em média 7 quilos de fertilizantes à base de nitrogênio por hectare. Muito pouco para repor os cerca de 52 quilos de nitrogênio por hectare que são perdidos anualmente pelas culturas agrícolas.
A diminuição é possível, como verificada nos Estados Unidos, onde o superuso de fertilizantes era a norma entre as décadas de 1970 e 1990. No período, toneladas de nitrogênio em excesso foram parar no Golfo do México, levadas pelo rio Mississipi, formando zonas mortas com quantidades ínfimas de oxigênio.
Desde a década de 1990, entretanto, o uso tem sido reduzido, mas sem impactar a produtividade, devido ao uso de melhores técnicas agrícolas. Mesmo usando seis vezes menos fertilizantes do que os chineses, os agricultores no meio-oeste norte-americano conseguem produtividade semelhante.
Desafio e oportunidade
O Brasil está no meio dos extremos. As áreas cultiváveis não estão sendo nutridas de modo insuficiente e o uso de fertilizantes, em geral, está longe do cenário dramático encontrado na China. Para Martinelli, que também é professor visitante da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, o Brasil está em um momento crucial em relação ao problema, e precisa saber equilibrar corretamente o desenvolvimento agrícola com a proteção ambiental.
Martinelli acaba de produzir um artigo junto com Solange Filoso, do Centro de Ciência Ambiental da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, ainda não publicado, no qual descreve a transformação da agricultura brasileira nas últimas décadas e ressalta a importância de se preservar um de seus bens mais valiosos.
“No futuro próximo, o Brasil poderá se tornar um dos primeiros países a atingir um estágio satisfatório de desenvolvimento ao mesmo tempo em que preserva a sua fenomenal biodiversidade e seus importantes ecossistemas”, destacam os autores no artigo encaminhado por Martinelli à Agência FAPESP.
O artigo apresenta diversos números sobre a evolução da produção agrícola no país. Entre 1961 e 2007, a área plantada com soja cresceu quase 8.000% e a produtividade, mais de 20.000%. A área com milho cresceu menos, dobrando no mesmo período, mas a produtividade aumentou em cinco vezes.
Apenas nos últimos dois anos, por conta da adoção em massa de biocombustíveis, a área plantada com cana-de-açúcar passou de 6 milhões para 9 milhões de hectares. A pecuária continua com o maior uso da terra: cerca de 200 milhões de hectares.
Por outro lado, a área desflorestada na Amazônia aumentou em mais de 400% desde a década de 1970, passando dos 70 milhões de hectares em 2007.
O uso de fertilizantes aumentou grandemente desde a década de 1960: potássio (6.000%), nitrogênio (4.000%) e fósforo (2.500%). Apesar de elevados, os números resultaram em uso ainda muito inferior ao verificado nos países desenvolvidos – e muito abaixo dos valores chineses.
Mas Luiz Martinelli e Solange Filoso apontam que o cenário brasileiro pode piorar rapidamente, especialmente se o país continuar no ritmo atual de desflorestamento.
“Apesar dos avanços econômicos, é fundamental que entendamos que a fronteira agrícola brasileira não pode avançar indefinitivamente. A expansão contínua colocará em risco não apenas a megabiodiversidade da flora e da fauna brasileiras como as funções vitais que os ecossistemas fornecem para sustentar os sistemas agrícolas”, apontam.
Eles destacam a urgência de que os tomadores de decisão e a sociedade compreendam os limites dos ecossistemas e que, se isso ocorrer, há uma boa chance de o Brasil continuar a se desenvolver mantendo a sua biodiversidade, que poderá vir a ser, no futuro, um bem ainda mais valioso do que é hoje. “Devemos agir agora, não amanhã, porque poucos países desenvolvidos tiveram oportunidade como essa”, afirmam.
Os autores apontam ainda a estreita inter-relação entre os ecossistemas e os sistemas agropecuários em todo o mundo. “Podemos dizer, por exemplo, que um porco na China, alimentado com soja brasileira, depende da água da Amazônia”, apontam, lembrando que, de acordo com diferentes modelos climáticos, se o desflorestamento na região amazônica atingir um ponto crítico, haverá uma queda significativa na produção de chuva em outras partes do país.
O artigo Nutrient imbalances in agricultural development, de Luiz A. Martinelli e outros, pode ser lido por assinantes da Science em www.sciencemag.org.
Agência FAPESP –