Muita coisa tem mudado em nossa avaliação médica e nutricional das gestantes. Mas um tema especialmente novo foi revelado através de um grande estudo que os americanos chamaram de HAPO, uma sigla que significa Hiperglicemia Materna e seus Resultados Adversos na Gestação. A pesquisa acompanhou mais de 23.000 gestantes e seus bebês e chegou à conclusão de que pequenas variações no açúcar do sangue das mães influenciavam na adiposidade do corpo do bebê e na sua produção de insulina. Há ainda no estudo muitas evidências de que o tamanho do bebê ao nascer está associado à maior adiposidade na vida futura dessas crianças, com o aparecimento de obesidade e de alterações em seus pâncreas que conferem a eles um maior risco de diabetes. “A conclusão deste trabalho passará a ter um grande peso em nossa avaliação médica e nutricional das gestantes, principalmente porque se basearam em ‘gestantes normais’, ou seja, gestantes que não apresentavam diabetes gestacional”, conta a endocrinologista Ellen Simone Paiva, diretora do Citen, Centro Integrado de Terapia Nutricional.
Mudanças que deixam a gestante vulnerável ao diabetes
Durante os nove meses, a gestante passa a conviver com um enorme volume hormonal proveniente da sua placenta, que, se por um lado, garante a manutenção da gestação, por outro, altera consistentemente seu metabolismo, deixando-a propensa a apresentar amplas oscilações da glicemia ou de açúcar no sangue. Até aqui, tudo bem, pois a maioria das gestantes tolera bem tais mudanças e consegue manter seus níveis de açúcar dentro do normal e, portanto, livre do diabetes gestacional. “Mas, quando a gestante, já exposta aos fatores hormonais que facilitam a ocorrência das elevações da glicose, apresenta outros fatores de risco, ela estará mais vulnerável à ocorrência do diabetes”, conta a endocrinologista. Dentre estes fatores de riscos adicionais, podemos citar mulheres que já engravidam com sobrepeso ou obesidade, fumantes, aquelas com antecedentes pessoais de partos complicados e com antecedentes familiares de diabetes, portadoras da Síndrome dos Ovários Policísticos e, finalmente, incluem-se, neste grupo, gestantes que ganham peso excessivo durante a gestação.
Aproximadamente 7% de todas as gestações são afetadas pelo diabetes gestacional, resultando em mais de 200.000 casos anuais nos Estados Unidos. No Brasil, as estimativas não são diferentes. O Projeto Diretrizes, organizado pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, em conjunto com a Associação Médica Brasileira, definiu estimativas de prevalência da doença em torno de 2,4 a 7,2% das gestantes. “A questão básica e que implica no aumento do risco materno fetal pode ser explicada pelo efeito das elevações variáveis da glicemia da gestante. Esse relativo aumento do açúcar no sangue da gestante atravessa a placenta e alcança o bebê, causando nele uma elevação semelhante da glicemia, o que o induz a uma maior produção de insulina e todas as conseqüências deletérias do excesso desse hormônio”, explica a médica.
Complicações materno fetais induzidas pela hiperglicemia materna
As complicações fetais, que, antes, pensávamos ocorrer apenas no diabetes gestacional, podem ocorrer nas gestações livres do diabetes, mas sujeitas a oscilações glicêmicas, anteriormente consideradas inofensivas. “Nas gestantes com diabetes, a intensidade dessas alterações pode levar ao nascimento de fetos macrossômicos, os grandes bebês nascidos de gestantes diabéticas, que ocorrem em até 52% dos casos de diabetes gestacional descompensado”, explica Ellen Paiva.
Além da macrossomia, esses bebês têm maiores riscos de malformações fetais, que ocorrem em cerca de 8% dos casos, alterações metabólicas, como as arriscadas baixas da glicose e do cálcio ao nascer, parto prematuro, desenvolvimento de obesidade e diabetes na adolescência, até mesmo o óbito fetal, que ocorre em cerca de 14% dos casos com mal controle. “Para as gestantes, o risco é o desenvolvimento da pré-eclampsia e eclampsia – a hipertensão da gravidez – que pode levar a quadros graves de convulsões e morte materna, além do quase certo desenvolvimento de diabetes definitivo ao longo da vida dessas mulheres”, diz a diretora do Citen.
Nas gestantes não diabéticas, mas com maiores elevações glicêmicas, os pesquisadores constataram o nascimento de bebês com mais gordura corporal e maior produção de insulina. “O estudo nos revela que pequenas elevações glicêmicas maternas, muito menores do que aquelas anteriormente estipuladas como perigosas, podem atravessar a barreira placentária e alcançar o feto, estimulando nele uma excessiva produção de insulina”, conta Ellen Paiva.
“A insulina acelera os mecanismos de estocagem de energia sob a forma de gordura, propiciando o nascimento de bebês com muito mais gordura corporal e com um mecanismo acionado para que possam continuar lidando dessa mesma forma com os nutrientes que chegam até eles, ou seja, estocando mais do que queimando, com uma grande chance de serem obesos ou até diabéticos no futuro”, revela a endocrinologista.
Prevenção e tratamento do diabetes gestacional
O objetivo da orientação nutricional da gestante de risco, principalmente daquelas que estão ganhando muito peso ou daquelas com glicose sanguínea em níveis limítrofes, é propiciar uma alimentação adequada para ela e seu bebê, permitindo a nutrição de ambos e o desenvolvimento adequado da criança, sem as arriscadas oscilações glicêmicas ou o ganho de peso excessivo de ambos. “A orientação nutricional da gestante começa pelo cálculo das calorias a serem consumidas diariamente e as necessidades calóricas variam de acordo com a idade, o peso pré-gestacional, o nível de atividade física e o estado nutricional”, explica Ellen Paiva, que também é médica nutróloga.
A maioria das mulheres na idade adulta necessita ingerir uma média de 1800 calorias/dia para manter o peso, mesmo sem estarem grávidas. Durante a gestação, esta média se mantém no primeiro trimestre. “Já sabemos que a gestante não precisa comer por dois, porque isso pode levar a um ganho excessivo de peso, assim como não deve tentar perder peso durante a gestação, pois pode ficar desnutrida, comprometendo o desenvolvimento fetal”, diz a nutróloga.
Durante o segundo e o terceiro trimestres de gestação, o gasto calórico da mulher aumenta, em média, 300 calorias/dia e sua alimentação deve permitir um ganho de peso de 10-12kg até o término da gestação, nas mulheres com peso pré-gestacional normal, de 12-14kg, naquelas abaixo do peso ideal e no máximo 9kg para as que apresentam sobrepeso ou são obesas.
Uma dieta bem balanceada
A dieta da gestante diabética deve ser balanceada, ou seja, deve conter cerca de 40 a 50% de carboidratos, 25-30% de proteínas e 25-30% de gordura, muito semelhante às que se destinam às gestantes “normais”. O valor calórico não deve ser muito restrito, não se admitindo valores menores do que 1200calorias ao dia. Um método simplificado seria adotar os seguintes critérios:
- Gestante com peso normal – 30 calorias/kg de peso/dia;
- Gestante com obesidade ou sobrepeso – 25 calorias/kg de peso/dia;
- Gestante com baixo peso – 35 calorias/kg de peso/dia.
“A gestante diabética deve se alimentar cerca de seis vezes ao dia, sendo três refeições básicas e três lanches. O último lanche deve ser feito antes de dormir para se evitar hipoglicemias noturnas com alterações metabólicas que também colocam em risco a gestação”, informa Ellen Paiva.
O grande tabu para as pessoas com diabetes, de uma maneira geral, e para as gestantes com diabetes, em especial, é o consumo de carboidratos. A regra básica é não abolir esse nutriente, pois, inevitavelmente, a gestante terá uma dieta rica em proteína e gordura, o que não é saudável. “Todas as refeições devem conter uma porção de carboidratos, de preferência os carboidratos complexos como pães, arroz, cereais, batata, mandioca, milho; de preferência integrais, uma vez que o conteúdo em fibras desses alimentos faz com que eles tenham uma absorção mais lenta e fisiológica, proporcionando uma saciedade mais longa e a melhora do trânsito intestinal”, explica a diretora do Citen.
“Os carboidratos chamados simples (açúcar) devem ser evitados ou utilizados com parcimônia, uma vez que causam absorção intestinal rápida do açúcar e com isso levam às oscilações agudas e amplas na glicemia materno fetal, o que não é bom nem para a mãe, nem para o bebê”, avisa a médica.
Além dos carboidratos, a gestante deve ingerir frutas, verduras, legumes, carnes magras e laticínios. A ingestão de frutas deve atender às recomendações de 3 a 4 porções de frutas diariamente e a de os laticínios, de 2 a 3 porções. Esses últimos garantem o aporte de cálcio necessário à formação do esqueleto do bebê, sem sacrificar a reserva esquelética da mãe.
“ A gestante diabética, que não alcançar os valores glicêmicos normais, alem de seguir um plano nutricional individual, deve receber medicamentos como a metformina ou a insulina. Deve ainda fazer controles glicêmicos em casa, tanto antes, como duas horas após as refeições básicas, utilizando aparelhos de medição da glicemia e fitas reagentes apropriadas”, recomenda a endocrinologista.
Após o parto, os cuidados continuam…
Após o parto, a glicemia da gestante com diabetes gestacional volta ao normal, desaparecendo qualquer vestígio da doença. Entretanto, essas gestantes devem ser monitoradas durante os anos que se seguem, assim como seus filhos, pois essa calmaria é apenas aparente. “Cerca de 45% dessas pacientes tornam-se definitivamente diabéticas nos próximos 10-12 anos. Esta é mais uma cilada que caracteriza essa doença, aparentemente tão inofensiva, mas verdadeiramente devastadora”, alerta a médica.
A mensagem promissora é de que a maioria dos estudos, que avaliam a evolução de crianças fruto de gestações complicadas, com diabetes gestacional, revelam que o acompanhamento apropriado destas gestações está associado a uma taxa menor de ganho de peso das gestantes, assim como de complicações hipertensivas na gestação. Para os bebês, temos alcançado uma menor taxa de complicações perinatais como macrossomia, morte neonatal, lesões ortopédicas de braços e clavículas, baixa aguda e perigosa do açúcar no sangue do bebê, logo em suas primeiras horas de vida. “Enfim, temos conseguido driblar as complicações materno fetais do diabetes, resta-nos, agora, entender melhor e evitar as alterações glicêmicas mais sutis nas mães e em seus bebês, para que possamos dar mais um passo no acompanhamento pré-natal das gestantes”, conclui a endocrinologista Ellen Simone Paiva.