A presidente da Associação de Mães e Amigos de Crianças e Adolescentes em Risco (AMAR), Maria da Conceição Paganele Santos, ganhadora do Prêmio Nacional de Direitos Humanos em 2001, virá a São Bernardo do Campo, na próxima quinta (19/11), para participar do Ciclo de Palestras, promovido pela Fundação Criança, pelos 20 anos da Convenção da ONU dos Direitos da Criança.
O evento será no Núcleo de Oportunidades e Inclusão da Fundação, à rua Marechal Deodoro, 1058, centro, com início às 10 horas e terá por tema “O protagonismo das mães na defesa dos direitos da criança e do adolescente”.
Essa é a sexta conferência do ciclo de palestras que começou no dia 7 de outubro e vai até o final do ano.
A luta das mães
A AMAR foi constituída em 1998 por um grupo de mães dispostas a combater as sistemáticas violações de direitos humanos a que seus filhos eram submetidas durante o comprimento de medida socioeducativa na FEBEM. Entre elas, Conceição.
Em reportagem da época, pode-se conhecer como essa luta começou. “A viúva Maria da Conceição Paganele dos Santos nunca mais vai esquecer a cena que mudou completamente sua vida. “Era o ano de 1998. Fazia três dias que seu filho, então com 16 anos, agonizava em uma cama do hospital municipal do Tatuapé, na Zona Leste de São Paulo.
Com muita dor, as pernas inchadas e cheias de bolhas, o adolescente fraturara os calcanhares tentando pular o alambrado da unidade 20 do complexo do Tatuapé para fugir durante uma rebelião na Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem). Ela soube do acidente por acaso, quando uma amiga fazia um trabalho de evangelização no hospital e reconheceu o menino. Dependente de drogas, ele estava internado na fundação porque fora preso roubando um carro para pagar uma dívida com um traficante.
Desde então a vida da pacata dona de casa nunca mais foi a mesma. Como o rapaz fora encaminhado pela Febem, o hospital o tratava como um interno, mesmo fora da instituição. A ela só era permitido visitá-lo aos domingos.
– Fui atrás dos meus direitos mesmo com o pouco conhecimento que tinha sobre leis – recorda-se. Conceição queria ser tratada de forma igual aos parentes de outros pacientes, a quem a visita era franqueada todos os dias.
O rapaz ficou 20 dias internado. No 11° ainda estava no pronto-socorro, quando ela foi informada pela equipe médica de que o jovem corria o risco de ter de amputar uma das pernas.
Desesperada com a notícia, Conceição foi bater na porta do Conselho Tutelar mais próximo de sua casa – onde uma amiga sua era conselheira – para tentar removê-lo para um quarto onde tivesse assistência mais cuidadosa.
– Achei que, por ser interno da Febem, ele estava sendo discriminado de alguma forma e recebendo tratamento inadequado – confessa ela.
Foi só então que Conceição descobriu, pela primeira vez e motivada pelo problema doméstico, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
– A conselheira foi ao hospital com o ECA debaixo do braço e conseguiu que meu filho fosse transferido para um quarto.
Mesmo assim, Conceição não teve a permissão para ficar com ele o tempo todo. Ela e a conselheira, que estava iniciando no ofício, ainda não conheciam o artigo 12 do ECA, cujo conteúdo lhe garantia o direito de acompanhar o filho de perto no período em que ele permanecesse no hospital. Diz a Lei: “os estabelecimentos de atendimento à saúde deverão proporcionar condições para a permanência em tempo integral de um dos pais ou responsável, no caso de internação de criança ou adolescente”.
– Minha amiga fez o pedido com base no artigo 124 que, entre outros incisos, trata do direito de receber visitas, ao menos semanalmente – afirma Conceição.
Foi só depois, quando o rapaz já tinha recebido alta, que ela pôde, então, ler em casa e com calma o exemplar do estatuto que ganhara da amiga. Com a leitura, finalmente soube que podia muito mais.
Hoje recita o texto integral na ponta da língua, como se fosse especialista na área de Direito. A partir dali, aquele “livrinho” não saiu mais da cabeceira de sua cama e de sua bolsa.
Depois dessa experiência, Conceição percebeu que, como ela, muitas das mães que visitavam os filhos na Febem passavam pela mesma situação: sentiam o desespero e a dor de ver o filho maltratado e sem nenhum acompanhamento psicológico, educativo, profissional ou de lazer. Ao contrário, muitos deles contando histórias de agressões e espancamentos.
Então, sem idéia da força que a entidade iria ter hoje, ela e outras 32 mulheres criaram a Associação de Mães e Amigos de Crianças e Adolescentes em Risco (Amar). A proposta, no início, era lutar contra os maus tratos e contra as torturas praticadas pelos funcionários contra os internos. Com o tempo, a batalha de Conceição se tornou gigante. “A entidade ganhou vários prêmios, entre eles o Prêmio Nacional de Direitos Humanos, concedido pela Secretaria Especial de Direitos Humanos, no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. E o Prêmio Santo Dias de Direitos Humanos, da Assembléia Legislativa de São Paulo.
Por sua luta, Conceição Paganele foi acusada, em 2005, pelo então governador Geraldo Alckmin, de criar problemas na extinta Fundação do Bem Estar do Menor (Febem) e acusada também pela própria corregedoria da entidade, em 2006, de incentivar rebelião e facilitar fuga, entre outros crimes. Paganele teve todos os processos arquivados nos anos de 2007 e 2008.