Os avanços nos tratamentos quimioterápicos trazem consigo novos desafios, como o da preservação da fertilidade dos pacientes mais jovens, tanto mulheres, quanto homens.
Se os médicos recomendam que as mulheres providenciem perucas para a eventual queda de cabelos por causa da quimioterapia, por que não conversar sobre aspectos reprodutivos que podem estar envolvidos no mesmo tratamento? Esta foi uma das questões debatidas durante o Congresso Anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica, ASCO, realizado na Flórida, no final de maio.
Um levantamento realizado por um instituto de pesquisa da Flórida buscou avaliar como esta questão é abordada durante as consultas dos pacientes oncológicos. Mais de 600 oncologistas responderam ao questionário. As respostas – em princípio positivas – revelaram que 80% disseram abordar o tema durante o tratamento. Ainda assim, menos de 25% dos médicos encaminham as pacientes em idade fértil para os especialistas em reprodução humana.
O estudo revelou que, apesar da maioria dos médicos discutirem o tema com os pacientes, algumas barreiras ainda precisam ser vencidas. A principal dificuldade reportada pelos médicos é a conciliação entre a necessidade do início o mais rápido possível da quimioterapia com o encaminhamento da paciente ao especialista em reprodução humana e das eventuais providências e custos deste encaminhamento.
Outra barreira levantada pelos pesquisadores norte-americanos é o custo envolvido nos tratamentos de preservação da fertilidade que se somam aos custos do próprio tratamento do câncer. Nos Estados Unidos, não existe um padrão de cobertura para esses tratamentos pelas diferentes companhias seguradoras e planos de saúde. No aspecto regulatório, as legislações são predominantemente estaduais, o que dificulta ainda mais uma padronização de procedimentos pelos oncologistas e pelos especialistas em reprodução humana.
Preservação da fertilidade
A pesquisa apresentada na Flórida no mostra que os avanços nos tratamentos quimioterápicos trazem consigo novos desafios, como o da preservação da fertilidade dos pacientes mais jovens, tanto mulheres, quanto homens.
Quando o câncer afeta uma paciente jovem – apesar de o adulto jovem receber melhor os tratamentos contra o câncer – é preciso observar algumas peculiaridades dessa fase da vida, antes de iniciar o tratamento oncológico. “A preservação da fertilidade é um fator muito importante nos tratamentos de mulheres mais jovens. Muitas pacientes ainda não tiveram filhos e alguns medicamentos podem prejudicar o seu sistema reprodutivo. Dependendo do tipo de tumor é possível combinar remédios menos invasivos. Mas, se for impossível preservar a fertilidade destas pacientes, as técnicas de reprodução humana assistida podem auxiliar estas mulheres”, defende o Prof° Dr° Joji Ueno, ginecologista.
Segundo Joji Ueno, são as pesquisas americanas que apontam que a preservação da fertilidade é a maior preocupação das jovens com câncer de mama. Em, aproximadamente 29% das vezes, esta preocupação influencia na decisão terapêutica a ser adotada. “Por isto, é cada vez mais importante a atuação conjunta do especialista em reprodução humana com o oncologista, o ginecologista e o mastologista, visando preservar e restaurar a fertilidade desta paciente”, defende.
Potenciais efeitos do tratamento do câncer em mulheres jovens:
-interferência no funcionamento do hipotálamo e da hipófise;
-perda da função uterina normal;
-destruição total ou parcial da reserva de óvulos no ovário, ocasionando falência ovariana imediata ou em tempo variável;
-dificuldade de predizer o potencial reprodutivo futuro.
Para preservar a capacidade reprodutiva é possível:
– congelar óvulos, pois a infertilidade causada pelo tratamento da doença pode ser permanente. “O óvulo pode ser congelado por vários anos. Depois da cura do câncer, a fertilização será feita com o esperma do pai”, diz o médico. A técnica ainda apresenta poucos resultados positivos no mundo. “No entanto, as condições para gravidez com óvulos congelados estão melhorando gradativamente¨, afirma Joji Ueno;
– congelar pré-embriões. “O congelamento de pré-embriões sempre gerou uma discussão social muito fervorosa, principalmente devido a questões éticas e religiosas. O embrião também pode se manter congelado por um tempo indefinido, mas muitas religiões consideram que a vida se inicia no momento da concepção. O embrião, portanto, é tratado como um ser vivo. Seu eventual descarte pode ser considerado uma conduta anti-ética”, explica Joji Ueno. Uma outra dificuldade do congelamento de pré-embriões é que, se a mulher quiser implantá-los, terá de pedir autorização ao pai, ou seja, ao parceiro que fecundou o óvulo;
– congelar fragmentos do ovário, que posteriormente, podem ser transplantados novamente para a paciente ou submetidos a uma técnica laboratorial de amadurecimento in vitro. Ao se submeter à quimioterapia ou/e à radioterapia, os folículos dos ovários da paciente portadora de câncer serão destruídos e não se recomporão mais. “Por isso, os especialistas em Reprodução Humana Assistida fazem a retirada de uma parte superficial destes órgãos, antes da mulher se submeter a estes tratamentos. Esses fragmentos podem ser reimplantados mais tarde e a mulher passará a ovular novamente. Como esta técnica ainda é considerada experimental, somente no futuro, as pacientes poderão se beneficiar do congelamento de fragmentos do ovário mulheres com câncer de mama, de colo de útero, e ainda, leucemia, linfoma e sarcomas”, diz Ueno.