O pacote habitacional do governo, que prevê a construção de 1 milhão de casas, corre o risco de reproduzir falhas da políticas de moradia que ao longo dos anos criou cidades baseadas na segregação espacial e sem garantia de acesso das populações de baixa renda aos equipamentos urbanos. A avaliação é da relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para o Direito à Moradia Adequada, Raquel Rolnik.
“Tradicionalmente a política habitacional praticada no país fala apenas da casa e não do lugar na cidade. Deixa que isso seja resolvido no mercado e a moradia popular acaba se instalando onde não existe cidade, em periferias, em situação de homogeneidade social, formando guetos”, argumentou a relatora da ONU.
A inclusão de elementos que fortaleçam os instrumentos de organização territorial dos municípios, como os planos diretores, e outros previstos no Estatuto das Cidades são “aperfeiçoamentos” que ainda podem ser incluídos no pacote, na avaliação da especialista. “Essa é uma oportunidade histórica. Nunca uma quantidade tão grande de recursos foi disponibilizada para habitação de interesse social”, avalia.
A secretária nacional de Habitação do Ministério das Cidades, Inês Magalhães, reconhece que o governo não preparou nenhuma medida específica de planejamento urbano no âmbito do plano, mas argumenta que, por se tratar de uma medida prioritariamente econômica – para geração de empregos -, o pacote não pretende trazer soluções do ordenamento das cidades.
“Há uma preocupação evidente com a questão urbana, mas nós não podemos exigir de um instrumento que não se propõe a fazer isso que ele resolva”, justifica Magalhães.
“Mesmo que o pacote não tenha sido pensado para produzir cidades, ele vai produzir. Poderá ser do jeito que está hoje ou pode sinalizar uma mudança de padrão; e sem prejuízo de nenhum dos seus objetivos”, argumenta Raquel Rolnik.
A relatora da ONU e a secretária de Habitação concordam sobre a responsabilidade intransferível dos município na gestão do uso e ocupação dos solos, mas a relatora defende a criação de uma política urbana nacional, para balizar ações no âmbito das cidades, como já acontece com as políticas de educação básica, por exemplo. “O governo pode e deve ter política urbana que sinalize claramente para o município: tem mais recursos quem fizer isso ou aquilo”, sugere.
A expectativa da secretária Inês Magalhães é de que os programas desenvolvidos pelo Ministério das Cidades até agora sejam suficientes para amortecer os possíveis impactos do aumento maciço da oferta habitacional.
“Vimos desenvolvendo isso desde 2005, a questão dos planos diretores, financiamento dos planos estaduais e municipais de habitação. Esperamos que esses instrumentos dêem suporte à implementação adequada nos municípios dessas habitações.”
Luana Lourenço
Repórter da Agência Brasil
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