por Mario Persona
Quando eu era criança, se alguém me perguntasse qual seria o futuro do jornal eu saberia responder: o açougue. É que na época eu achava que jornal eram aquelas folhas enormes que entravam em nossa casa de duas maneiras: para meu pai ler ou embrulhando a carne.
Hoje sei que jornal não é a plataforma que ora transporta as letras, ora a carne. Ainda que o jornal de papel desapareça, o papel do jornal não vai desaparecer, pois o jornal é o blog da História. É nele que dona História registra diariamente aquilo que depois será estudado na academia.
Há alguns anos um grande jornal pediu uma proposta para uma palestra. Os diretores queriam conhecer minha opinião sobre o impacto das novas tecnologias em seu negócio. Enviei a eles uma proposta contendo os tópicos abaixo, que podem servir de axiomas para o futuro do jornal impresso. Fique avisado de que escrevi mais nas entrelinhas do que nas linhas.
– NEGÓCIOS –
O negócio do jornal não é imprimir papel, mas causar impressões com sua investigação, análise e interpretação dos fatos.
– VEÍCULOS –
O fabricante do Cadillac não conseguia entender a razão da queda nas vendas, até perceber que os donos de Cadillac estavam morrendo.
– HORÓSCOPO –
As expressões “the future of the radio”, “the future of the television” e “the future of the newspaper” aparecem, respectivamente, 30 mil, 90 mil e 990 mil vezes numa busca no Google. Quando tem muita gente olhando para o telhado é porque sua gata deve ter subido lá.
– POLÍCIA –
É difícil competir com a lesão ao vivo e em cores dos meios multimídia. Finalmente o jornal conseguiu se livrar do estigma da máxima que diz que “se não sangrar, não tem audiência”. Pior para ele.
– TEEN –
A geração atual aprendeu a ler no videogame, mas quando a pesquisa pergunta ao jovem se ele lê jornal de papel ele diz que sim com pinta de intelectual. Pesquisados são mentirosos e pesquisas são ingênuas.
– ECONOMIA –
A verba de propaganda foi tão pulverizada que agora a briga por ela é entre o conglomerado com 10 mil funcionários e o blog do Zezinho, aquele seu sobrinho.
– ESPORTES –
O consumo de banda e computação móvel cresce. É covardia deixar seus caracteres de tinta correrem na mesma raia dos pixels multimídia.
– CLASSIFICADOS –
Os classificados foram desclassificados e reclassificados pelo Google e pelo eBay. O balcão de anúncios foi colocado à venda lá.
– TURISMO –
Insistir que a informação continue limitada ao papel é obrigar os aviões a viajarem em trilhos. Questão de bom senso na logística de distribuição.
– CULTURA –
Na era do RSS (Real Simple Syndication) e da remixagem digital, a tecnologia desbanca a autoria individual, quando genérica e sem sal, e cria colchas de retalhos de informação em cores mais vibrantes.
– OBITUÁRIO –
Vale para o jornal impresso o que vale para o rei: “O jornal morreu. Viva o jornal!”
Você deve estar curioso para saber se aquele jornal gostou da proposta. Provavelmente não, porque não me contratou. Às vezes você precisa dizer aquilo que seu cliente quer ouvir, às vezes não.
Existe uma tendência perigosa no ser humano de buscar por opiniões que não dêem trombada em sua opinião formada. Perguntado sobre a razão do desinteresse da nova geração em comprar jornais, um especialista que presta serviços para grandes conglomerados respondeu: “Deve ser porque os jovens estão lendo o jornal comprado pelos pais”. Ingenuidade ou conveniência?
Não, eu não sei informar se foi esse que o jornal contratou para a palestra.
Foto mariocapa e mario