De modo geral é o patrimônio do próprio devedor, pessoa física ou jurídica, que responde por suas dívidas – a chamada responsabilidade primária. No entanto, há casos de responsabilidade secundária, em que o patrimônio de terceiros pode ser considerado para o pagamento de tais dívidas, com especial enfoque nos casos de responsabilidade direta dos sócios e administradores das empresas e, ainda, de desconsideração da personalidade jurídica.
Quem explica o tema é o advogado Sidnei Amendoeira Junior, sócio da NPA Advogados. “Na responsabilidade primária, as obrigações financeiras em geral são cumpridas pelo patrimônio do devedor, seja atual ou que venha a adquirir ao longo do tempo. A chamada responsabilidade secundária é uma exceção à regra, e prevê a responsabilidade para aquitação de dívidas com o patrimônio individual dos sócios de uma sociedade ou seus administradores, dos sucessores ou do cônjuge do devedor”, relata.
Isso é especialmente problemático no caso de o devedor ser uma empresa. De acordo com Amendoeira, a lei distingue claramente os bens das pessoas físicas dos bens das pessoas jurídicas das quais são sócios ou administradores. Porém, como ressalta, “se a sociedade tiver sido constituída irregularmente, os bens dos sócios respondem sem qualquer limitação; o mesmo ocorre em certos tipos societários específicos, mesmo que as sociedades tenham sido estabelecidas regularmente; e também nas sociedades simples, de nome coletivo, de advogados, e em comandita simples”.
Mas, mesmo nas sociedades limitadas ou anônimas, nas quais essa responsabilidade direta não esteja prevista, os sócios podem vir a responder com seu patrimônio por dívidas da sociedade, se assim o juiz entender, em função da chamada desconsideração da personalidade jurídica: “Em primeiro lugar, o juiz deve desconsiderar a personalidade jurídica, dissolvendo a sociedade, para só então estender a obrigação ao patrimônio das pessoas físicas”. Esse entendimento do juiz pode ocorrer nos seguintes casos: quando a empresa deixou de buscar seu fim social; quando serve de anteparo para proteger o sócio de eventual fraude; e quando ela não tiver bens. “O artigo 50 do Código Civil é claro ao exigir, para a desconsideração, que esteja caracterizado abuso da personalidade jurídica, desvio de finalidade ou confusão patrimonial, ou seja, quando não há separação das obrigações e das contas físicas das jurídicas”, detalha.
Amendoeira cita outros casos em que um juiz pode desconsiderar a personalidade jurídica: o artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), para pagamento de indenização ao consumidor prejudicado por uma empresa fornecedora mal administrada, fraudulenta ou falida; o artigo 18 da Lei Antitruste, quando a sociedade é usada para encobrir o abuso do direito econômico; o artigo 4º da Lei 9.605/98, que prevê o ressarcimento de prejuízos ao meio ambiente; e o artigo 2º, §2º da CLT, que permite, num grupo econômico, a responsabilidade solidária entre empresas para créditos trabalhistas.
Por fim, especificamente no campo tributário, de acordo com o advogado, o artigo 135 do Código Tributário Nacional (CTN) trata da responsabilidade direta dos sócios e administradores por fraude ou excesso de poderes: “Em vez de desconsiderar a personalidade jurídica, prevê a corresponsabilidade direta do sócio, nos casos de sua comprovada conduta ilegal em nome da sociedade; e nas situações em que ficar caracterizado o abuso dos poderes a ele conferidos”.
Sidnei Amendoeira Junior observa, porém, que o Fisco lança, administrativamente, o débito tributário no nome dos sócios ou administradores. Mas ressalta: “Existem meios processuais para que os sócios se oponham a essa prática. Além disso, em março deste ano, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o Fisco não pode agir dessa maneira a qualquer momento, a não ser nos casos em que claramente houve dolo, infração da lei ou do contrato social. O Recurso Especial (REsp) nº 1.101.728/SP concluiu que a simples falta de pagamento do tributo não acarreta, por si só, a responsabilidade do sócio na execução fiscal. Essa é uma boa notícia para o contribuinte, em favor do qual foi aberto um precedente, já que a matéria vem se tornando cada vez mais repetitiva”.
O advogado considera como outra vitória do contribuinte a edição da Lei nº 11.941/09, que revogou o artigo 13 da Lei nº 8.620/93, que permitia o bloqueio dos bens dos sócios nesses casos. “Para preservar o princípio da isonomia material, o entendimento passou a ser pela aplicação das regras do CTN, incluindo situações anteriores a sua edição”.
Para Amendoeira, na prática, porém, essas decisões ainda não vêm sendo plenamente cumpridas, e muitos dos requisitos necessários para a desconsideração de personalidade jurídica de empresas ou responsabilização direta dos sócios vêm sendo ignorados, especialmente pelo Fisco: “Tornou-se rotineira a inclusão pura e simples dos sócios no polo passivo de execuções, diante da impossibilidade de localizar bens da empresa. Aindaé comum a inclusão dos sócios nas Certidões da Dívida Ativa, sem qualquer procedimento prévio e com a imediata penhora dos bens dos sócios. Esse raciocínio considera o simples não pagamento do tributo como uma infração da lei, confundindo-se fraude com mero insucesso empresarial ou impontualidade.O sentido de limitar a responsabilidade dos sócios é, acima de tudo, incrementar a atividade empresarial no país. Se a responsabilidade dos sócios fosse solidária e ilimitada em todos os casos, provavelmente não haveria quem arriscasse a atividade empresarial, principalmente nos setores comercial e produtivo mais complexos”.
Sobre Sidnei Amendoeira Junior
O advogado Sidnei Amendoeira Jr. é mestre e doutor em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo. Coordena o curso de pós-graduação “Estratégias Processuais” da GV-Law e o curso de especialização em “Processo Civil” da Associação dos Advogados de São Paulo. É autor das obras “Poderes do Juiz e Tutela Jurisdicional – o aumento dos poderes do juiz como forma de obtenção da tutela jurisdicional efetiva, justa e tempestiva” (Editora Atlas) e “Direito Processual Civil: Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento (procedimento em primeiro grau de jurisdição)”, além de diversos artigos em livros e revistas especializadas.