A 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Porto Alegre) reconheceu pela primeira vez no Brasil a negligência dos poderes públicos na adoção de medidas de vigilância epidemiológica para conter a epidemia de hepatite C, um fato inédito que poderá desencadear a abertura de milhares de ações em todo o país. Em Ação de Responsabilidade Civil pela omissão do poder público o acórdão deu provimento pelo voto de 2 Desembargadores a favor da Autora, vencendo o parecer do relator.
A Desembargadora Federal Maria Lúcia Leiria afirmou que “no caso dos autos, efetivamente existe o nexo de causalidade entre o agir o ente público e a contaminação da autora pelo vírus da hepatite C. O mencionado vírus foi identificado em 1989, sendo prevista a obrigatoriedade de realização de testes para o sangue utilizado nas transfusões apenas em 1993, com a edição da Portaria nº 1.376, de 19 de novembro de 1993”. No mesmo sentido, o Desembargador Federal Luiz Carlos Lugon concluiu que “o nexo causal é evidente, uma vez que a paciente só contraiu a doença por não ter havido a devida diligência e atenção na prestação do serviço de saúde, advindo a contaminação pelo vírus letal”.
No caso, segundo o advogado da Autora, Dr. Marco Fridolin Sommer Santos, “por força do disposto no art. 200, inciso II, da Constituição Federal, cabia à União Federal executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica”, editando norma que tornasse obrigatória a realização pelos Bancos de Sangue do teste anti-HCV, em meados de 1990, ou seja, imediatamente após a sua disponibilização no mercado, o que não ocorreu.
Em razão da omissão a União Federal foi condenada ao pagamento de uma indenização no valor de R$ 60.000,00, no Processo n.º 2005.71.00.031013-1; Autora: E. T.; Réu: União Federal e Associação dos Funcionários Públicos do Estado do Rio Grande do Sul – AFPERS (Hospital Ernesto Dornelles).
Outro acórdão, referente ao Processo n.º 2006.71.00.006510-4, também condenou em decisão semelhante, mas desta vez em forma solidaria a União Federal e o Município de Porto Alegre, a indenizar em R$. 60.000,00 a autora M.W., em ação defendida pelo mesmo advogado.
Essas são as duas primeiras decisões nas mais de 150 ações abertas pelo Grupo Otimismo de Apoio aos Portadores de Hepatite no Rio de Janeiro, Porto Alegre e Florianópolis se encontram na fase de Pericia Médica solicitada pelos Juízes, um indicativo de que caso seja comprovada pela Pericia a perda da saúde naqueles que por falta de ações alertando sobre a necessidade de indivíduos que realizaram transfusões de sangue antes de 1993 procurassem realizar o teste de detecção da hepatite C, detectaram a doença em fases avançadas já com perdida de funções do fígado ou já na fase da cirrose.
A hepatite C atinge segundo estimativa da Organização Mundial da Saúde entre 3 e 4 milhões de brasileiros. A hepatite C tem cura, mas o tratamento é eficaz se a doença for descoberta precocemente. As ações judiciais solicitando indenização são referentes a que por falta de campanhas alertando sobre a necessidade de realização do teste, os infectados somente ficaram sabendo da sua condição já com elevado dano hepático, prejudicando sua saúde e a expectativa de vida. A hepatite C e chamada de “assassina silenciosa” por não apresentar sintomas clínicos, danificando o fígado lenta e silenciosamente.
O quadro atual fica dramático quando é sabido que somente 3% dos quase quatro milhões de infectados estão diagnosticados. Somente mediante a realização de um teste de sangue especifico, o ANTI-HCV a doença e diagnosticada. Se não diagnosticada, 1 de cada 4 infectados chega a cirrose ou ao câncer de fígado após 23 anos da infecção. Estes indivíduos, se não diagnosticados e tratados perdem 17 anos de expectativa de vida, falecendo em media aos 56 anos de idade.