Uma pesquisa qualitativa apresentada como dissertação de mestrado no Departamento de Psicobiologia da UNIFESP, mostrou que, além da fissura induzida por fatores ambientais e emocionais, os usuários de crack desenvolvem outro tipo de fissura: a causada pelo próprio efeito da droga. “Assim que o usuário de crack dá a primeira tragada, desenvolve uma compulsão imediata pelo consumo, levando-o ao uso ininterrupto, até que o estoque da droga acabe ou ele chegue à exaustão”, explica Tharcila Viana Chaves, farmacêutica e autora do estudo. “Esse tipo de fissura apareceu como forte fator mantenedor dos episódios de consumo chamados de binge, no qual o uso é prolongado, intenso e contínuo”.
De acordo com a pesquisadora, estes episódios foram os maiores responsáveis pelo rebaixamento de valores do usuário, sujeitando-os a práticas não convencionais para a obtenção da droga – como roubar e prostituir-se – e a fortes eventos de agressividade, provenientes do medo (autodefesa) ou do receio de que alguém ameace o seu consumo do crack.
Pouco prazer, mas muita fissura
Os 40 usuários e ex-usuários de crack entrevistados na pesquisa, apesar de terem perdido o controle em várias situações relacionadas à droga, possuem um autoconhecimento que lhes permite controlarem-se em outras ocasiões. Eles sabem que tanto a fissura induzida pelo efeito da droga quanto pela retirada dela são as que causam maior mal-estar e obsessão. Evitar pistas que lembram o uso do crack, como lugares, pessoas e situações de estresse que impulsionariam seu uso, é apenas uma das estratégias usadas para diminuir a fissura e conseguir trabalhar e conviver em família e socialmente. “Muitos usam de forma concomitante, não apenas o álcool e a maconha, mas também os benzodiazepínicos, mais conhecidos como tranqüilizantes, que são conseguidos facilmente no mercado negro e são tidos como moeda de troca na Cracolândia”, afirma a pesquisadora.
Tharcila explica que apesar de os usuários não saberem muito sobre as neuroadaptações que ocorrem devido ao uso da droga, as estratégias são as mesmas utilizadas por profissionais que detém conhecimento profundo sobre o tema e que se ocupam do tratamento de dependentes. “Eles sabem, sem precisarem de orientação médica, que o tranqüilizante vai induzir o sono e, a maconha, a fome que o crack tira”, afirma. “São estratégias individuais de redução de danos, que mesmo que momentâneas, podem nos ajudar a aprimorar o tratamento de dependentes, incentivando o usuário a abandonar as drogas aos poucos”.
De acordo com a pesquisadora, o efeito do crack é rápido, dá-se em oito segundos, e acaba em cinco minutos. Destes, apenas um é relatado como prazeroso. O restante é somente fissura.
Sobre a UNIFESP
Criada em 1933 por um grupo de médicos reunidos em uma sociedade sem fins lucrativos, a Escola Paulista de Medicina (EPM) foi federalizada em 1956 e, em 1994, transformada em Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), primeira universidade especializada em saúde no País. Atualmente, com 18 mil alunos matriculados nos cursos de graduação, pós-graduação e demais programas de pós, a UNIFESP conta com 874 docentes, sendo que 93% possuem título de doutor, um percentual que marca a qualidade de ensino oferecida por uma das universidades que mais cresce no País.