No I Encontro de Atualização em Vírus Respiratórios, a pediatra Lucia Bricks, doutora em Medicina pela USP, diz que a vacinação é a melhor arma para evitar a interação do vírus da gripe com a principal bactéria causadora da pneumonia. Nos Estados Unidos, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças recomenda uma vacina que previne os sorotipos mais agressivos desta bactéria. No Brasil, a vacina é fornecida gratuitamente a doentes crônicos maiores de 2 anos. Boletim de março do Ministério da Saúde contabilizou 782.372 internações por gripe associada à pneumonia, em 2009.
Para evitar complicações respiratórias durante a pandemia de gripe, recomenda-se que os doentes crônicos, fumantes e asmáticos com mais de 19 anos recebam não só a vacina contra o vírus da Influenza, mas também vacinas contra a bactéria Streptococcus pneumoniae, mais conhecida por pneumococo. O alerta foi dado pela pediatra Lucia Bricks, doutora em Medicina pela USP, durante a palestra “Correlação entre infecção viral e bacteriana”, realizada nesta quinta-feira (dia 15) no I Encontro de Atualização em Vírus Respiratórios, promovido pela SBim – Sociedade Brasileira de Imunizações, no Maksoud Plaza, em São Paulo.
“Diversos estudos realizados em humanos e animais comprovam que o vírus Influenza predispõe a superinfecção bacteriana. E o pneumococo é responsável por até 30% das pneumonias decorrentes da gripe. Esta bactéria é difícil de ser isolada pela falta de recursos diagnósticos sensíveis e específicos e pelo uso prévio de antibióticos, que interfere nos testes de cultura”, afirma Lucia Bricks, diretora médica da Sanofi Pasteur, a divisão de vacinas do grupo Sanofi-Aventis.
Boletim epidemiológico expedido em março último pelo Ministério da Saúde mostrou que em 2009 houve 782.372 internações por gripe associada à pneumonia, das quais 39% em crianças até cinco anos; 24% em maiores de 60 anos, 23% de pessoas entre 20 a 59 anos e 13% na faixa de 5 e 19 anos. Em agosto de 2009, já em meio à pandemia, o número de internações saltou para mais de 90 mil – contra as mais de 60 mil registradas no mesmo mês de 2008 e 2007.
Em artigo publicado em janeiro no American Journal of Respiratory and Critical Care Medicine, um estudo da professora da Faculdade de Medicina da USP, Thais Mauad, demonstrou que 38% de um grupo de 21 brasileiros mortos com diagnóstico positivo para o H1N1 foram vítimas de co-infecção, a maior parte por Streptococcus pneumoniae. Todos foram autopsiados pela Divisão de Autópsias do Departamento de Patologia desta faculdade, do qual Thais Mauad é supervisora. Deste grupo, 21% não apresentavam condições de risco. O restante tinha doenças cardiovasculares (33%), tabagismo (26%), câncer (26%) e diabetes (10%)
Em junho de 2009, o CDC – Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos expediu um boletim sobre a pandemia de gripe no qual recomendou a vacina polissacarídica 23-valente para todos os grupos de risco maiores de dois anos de idade: portadores de doenças crônicas (renais, hepáticas e neurológicas), cardiovasculares e pulmonares; diabéticos, imunocomprometidos, maiores de 65 anos e asmáticos e fumantes maiores de 19 anos. O CDC também recomenda a vacina para crianças maiores de dois anos – já imunizadas com vacinas conjugadas contra o pneumococo – para ampliar a proteção contra os sorotipos causadores das infecções graves.
A vacina polissacarídica produzida pela Sanofi Pasteur, conhecida internacionalmente por Pneumo 23, contém 23 dos 90 sorotipos conhecidos do pneumococo. Ela propicia cobertura contra 90% dos sorotipos que têm maior capacidade invasiva e resistência aos antimicrobianos e são os principais responsáveis pelas complicações registradas após o terceiro dia da infecção viral. “Essas infecções são mais comuns nos extremos da idade (menores de cinco anos e idosos) e em indivíduos que vivem em ambientes aglomerados, mas podem ocorrer em pessoas de qualquer idade, particularmente nos grupos de risco, incluindo asmáticos e fumantes”.
A vacina polissacarídica 23 valente é oferecida gratuitamente aos portadores de doenças crônicas maiores de dois anos nos CRIES – Centros de Referência de Imunobiológicos Especiais do Ministério da Saúde, cujos endereços podem ser consultados pelo site www.saude.gov.br.
MECANISMOS
Ainda não se conhecem todos os mecanismos capazes de facilitar as infecções bacterianas após uma infecção viral. Existem evidências de que infecções virais facilitam a adesão de bactérias que colonizam as vias respiratórias e a membrana que recobre o aparelho respiratório. A inflamação causa aumento na produção de secreções, destruição de células e alterações na função da tuba de Eustáquio – uma pequena passagem que conecta a parte superior da garganta com o ouvido médio. Impedida de ventilar, a tuba deixa que fluídos se acumulem nesta região do ouvido. Todas essas alterações favorecem a proliferação e invasão de bactérias que causam infecções de mucosa e doenças invasivas, como pneumonia e meningite.
Dois estudos científicos publicados em 2010 mostram as conseqüências devastadoras da interação entre o vírus Influenza e o Streptococcus pneumoniae sobre as crianças: um foi realizado no Canadá e outro em Bangladesh, no sul da Ásia. Coordenada pelo médico Sean O”Riordan, a pesquisa publicada em janeiro no Canadian Medical Association Journal revelou que 29% de 58 crianças internadas em conseqüência do H1N1 no Hospital for Sick Children, em Toronto, apresentavam alterações compatíveis à pneumonia. Deste total, 79% tinham fatores de risco. Das 12 crianças previamente saudáveis, cinco eram menores de dois anos.
O estudo de Bangladesh, publicado em março último no Pediatric Infectious Diseases Journal, analisou 2.370 crianças com idade média de dois anos entre 2004 a 2007, que apresentavam sintomas semelhantes aos da gripe. Deste total, 13% tiveram diagnósticos positivos para o vírus Influenza, das quais 28% desenvolveram pneumonia. Em sua conclusão, o coordenador da pesquisa, o médico W. Abdullah Brooks, afirmou que a gripe contribuiu para o surgimento da pneumonia em 10% dos casos e a vacinação poderia ter reduzido este impacto.