Por Elton Alisson Agência FAPESP – A exposição crônica a metais como o manganês e o alumínio pode contribuir para o desenvolvimento de doenças neurodegenerativas como Parkinson e Alzheimer, indicam diversas pesquisas realizadas em diferentes países, incluindo o Brasil.
Agora, um estudo realizado no Laboratório de Bio-Inorgânica e Toxicologia Ambiental (Labita), do Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas (ICAQF) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), apontou que a forma química desses metais pode influenciar de forma direta e de modos diferentes o nível de toxicidade neurológica (neurotoxicidade) que exercem em animais e humanos.
Desenvolvido em colaboração com pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), do Instituto de Pesquisas Biomédicas de Barcelona, na Espanha, e do Centro de Pesquisa e Associação de Pesquisa Ambiental de Leipzig (UFZ), na Alemanha, o trabalho foi conduzido no âmbito de um projeto de pesquisa, apoiado pela FAPESP.
Alguns resultados relacionados ao alumínio – que fazem parte do trabalho de mestrado de Pollyana Ferreira de Carvalho – foram apresentados durante o 2º Encontro Ibero-Americano de Toxicologia e Saúde Ambiental, realizado em junho, em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. O trabalho foi premiado pela editora inglesa Taylor & Francis, que publica livros na área de toxicologia.
“Identificamos que a especiação [forma] química do manganês e do alumínio pode influenciar diretamente os efeitos neurotóxicos provocados por esses metais em animais e humanos”, disse Raúl Bonne Hernández, professor do ICAQF e coordenador do projeto, à Agência FAPESP.
De acordo com o pesquisador, estudos já indicavam que a exposição crônica ao manganês e ao alumínio promovia alterações no metabolismo energético animal e humano e contribuía para diminuição das capacidades cognitiva e motora.
Por meio de estudos com o peixe-zebra (Danio rerio) – espécie de peixe cujo genoma é quase 70% semelhante ao humano –, os pesquisadores confirmaram essas hipóteses e observaram, além disso, que o manganês e o alumínio promovem diferentes efeitos neurotóxicos no animal de acordo com a ligação ou não com outros elementos químicos.
Com relação ao alumínio, os cientistas constataram que o metal nas formas de aquohidroxocomplexo (ligado a moléculas de água ou hidroxila) e polimérica parece ser mais tóxico para o peixe-zebra do que o metal solúvel e ligado aos sais citrato e tartarato, por exemplo, usados como conservantes de alimentos.
Após expor peixes-zebra ao metal entre duas e 122 horas após a fertilização, as larvas apresentaram redução do batimento cardíaco e alterações nos movimentos corporais espontâneos ou estimulados.
“Esses resultados, de forma conjunta, apontam para uma confirmação parcial das nossas hipóteses de que a forma química do alumínio e do manganês influencia o nível de neurotoxicidade em animais e humanos”, disse Hernández.
Segundo ele, por muito tempo se pensou que o alumínio era um elemento inócuo. Por isso, ao longo dos anos uma série de alimentos e bebidas foi envasada em embalagens enlatadas feitas com o metal.
O que se descobriu mais recentemente, no entanto, é que ingredientes usados para conservar os alimentos e bebidas nesse tipo de embalagem – como citratos e tartaratos – são capazes de solubilizar pequenas frações de alumínio.
“Essas pequenas frações do metal solubilizadas por citratos e tartaratos podem influenciar eventos relacionados à exposição ao alumínio pela via alimentar, embora sejam considerados eventos não agudos”, afirmou Hernández.
Manganês
Já ao expor peixes-zebra em diferentes estágios de desenvolvimento a diversas misturas de manganês com outros elementos químicos, os pesquisadores constataram que o manganês causou mais efeitos tóxicos e induziu mais alterações neurocognitivas e locomotoras no animal na presença de citrato do que em sua forma pura.
“Esses resultados contrariam modelos preditivos de toxicidade de metais, que sugerem que espécies não complexadas [sem ligantes] são mais tóxicas”, disse Hernández.
“Por outro lado, corroboram outros estudos internacionais com cultura primária de neurônios de cerebelo de camundongos publicados por diferentes grupos de pesquisa – inclusive o nosso –, que sugerem que uma molécula fisiológica, como o citrato, pode facilitar ainda mais o transporte e a passagem do metal pela barreira hematoencefálica do que outros ligantes químicos, como o pirofosfato, causando efeitos neurotoxicológicos em neurônios glutamatérgicos [que utilizam o glutamato como neurotransmissor]”, disse Hernández.
Algumas das principais alterações promovidas pelo manganês ligado ao citrato no cerebelo do animal podem estar associadas à disfunção em vias de síntese de proteínas como a do grupo beta-amiloide – que se acumulam e formam placas nas regiões do cérebro responsáveis pela memória e a linguagem em pacientes com Alzheimer – e de outros metabólitos alterados em pacientes com a doença de Parkinson.
Por meio de estudos de expressão gênica, os pesquisadores observaram que os genes mitocondriais mt-co1 (relacionado a processos de oxirredução, transporte de metais e reposta à exposição a elementos químicos) e hspb11 (ligado à resposta a eventos de estresse) dos peixes-zebra expostos ao manganês na presença de citrato foram desregulados.
Como esses genes também estão presentes no genoma humano, os pesquisadores estimam que vias moleculares similares dos seres humanos podem ser afetadas pela exposição ao manganês.
“Os resultados encontrados em peixes-zebra poderão nos ajudar a compreender melhor o desenvolvimento de doenças neurodegenerativas e aprimorar tanto os estudos que estão sendo desenvolvidos em humanos como em animais, reduzindo o tempo e a quantidade de camundongos utilizados nas pesquisas”, disse Hernández.
“Uma vez que o genoma do peixe-zebra tem quase 60% de semelhança com o de camundongos, ele pode substituí-los em estudos com animais”, afirmou.
Casos de exposição
Como o manganês é um elemento essencial para os seres humanos, especialmente durante o desenvolvimento, achava-se que os limites de exposição a esse metal poderiam ser um pouco mais altos que os estabelecidos hoje. Com isso, a exposição aguda e crônica pelo ar ao metal na forma de material particulado recebeu maior atenção do que pela ingestão de alimentos ou de água.
Trabalhadores dos setores de siderurgia e de mineração eram considerados alguns dos poucos grupos humanos vulneráveis à exposição ao manganês, ao trabalhar em áreas mais propensas ao contato direto com ar contaminado com partículas do metal.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem, no entanto, chamado a atenção nos últimos anos para o fato de que há vários lugares no planeta – incluindo países desenvolvidos e em desenvolvimento – onde se observa diminuição na capacidade cognitiva de crianças expostas a grandes concentrações de manganês na água e no ar, principalmente em áreas de mineração, ressaltou o pesquisador.
“Hoje são observados casos de exposição ao manganês em regiões de desenvolvimento econômico muito baixo, como Bangladesh, e em regiões mais desenvolvidas, na China e no Canadá, onde há relatos de grupos populacionais que consomem água com níveis de manganês em concentrações permitidas pela legislação ambiental do país, mas que apresentaram problemas de diminuição das capacidades cognitiva e motora”, contou.
No Brasil, segundo Hernández, estudos epidemiológicos realizados entre 2000 e 2011 também apontaram casos de crianças e mulheres grávidas no município de Simões Filho, na Bahia, onde há atividade de mineração, que apresentam alterações neurocomportamentais pela exposição crônica ao manganês na forma de material particulado no ar em concentrações também consideradas seguras por órgãos como a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos e da União Europeia.
Um dos fatores que contribuíram para esse problema, segundo o pesquisador, é que os valores de exposição ao metal considerados seguros foram estimados, majoritariamente, com base em dados epidemiológicos de adultos expostos ocupacionalmente – como os trabalhadores dos setores siderúrgico e de mineração – e foram extrapolados para crianças.
“Isso sinaliza a necessidade de mais estudos em modelos animais durante seu desenvolvimento e a integração dos resultados dessas pesquisas com avaliações epidemiológicas”, disse Hernández.
Como a exposição aguda e crônica a esses metais e a diversos poluentes se inicia já nos primeiros anos de vida – principalmente nos centros urbanos, por concentrar uma maior atividade industrial –, os pesquisadores pretendem avaliar também, por meio de estudos com peixe-zebra, se a exposição ambiental precoce ao manganês e ao alumínio pode programar algumas características de doenças neurodegenerativas que só são identificados clinicamente em humanos muitos anos depois, já na idade adulta.
“Queremos estudar o que ocorre quando o animal é exposto ao alumínio e manganês em diferentes estágios de seu desenvolvimento e se a exposição prolongada a esses metais em baixas concentrações pode causar os mesmos efeitos neurológicos provocados pela exposição aguda”, disse Hernández.