A medicina translacional visa agilizar a transferência do conhecimento produzido na bancada para a aplicação na investigação clínica e saúde pública. Em outras palavras, a ideia é estabelecer a conexão entre a criação e a aplicação do conhecimento, integrando pesquisadores das áreas básica e clínica para uma melhor assistência à população.
O marco histórico da medicina translacional ocorreu quando o Instituto de Medicina da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos passou a realizar simpósios a fim de discutir a importância da investigação clínica para que ela tivesse capacidade de transformar o conhecimento advindo da área básica, visto que o desenvolvimento alcançado pela investigação clínica não era adequado para fazer isto na velocidade e com a eficiência necessárias.
Assim, começou-se a discutir por que a investigação clínica no país não avançava tanto quanto a pesquisa básica biomédica. Posteriormente, os Institutos Nacionais de Saúde (NIH, na sigla em inglês) dos Estados Unidos colocaram como uma das metas, em 2003, promover a “reengenharia” da investigação clínica no país e criaram um programa para financiar a organização de centros de medicina translacional nas universidades. Hoje, existem cerca de 60 centros.
“O objetivo era estimular a formação de equipes multidisciplinares e criar uma cultura de aproximação da área básica com a área clínica e, principalmente, fazer com que aquilo que resultou da pesquisa básica – e que foi visto como útil na pesquisa clínica – chegasse até o paciente. O desafio era também levar o conhecimento produzido na universidade para a saúde pública”, disse fisiologista Eduardo Moacyr Krieger, professor emérito da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP).
Krieger, que também é vice-presidente da FAPESP, coordenou o Simpósio de Medicina Translacional, realizado no dia 29 de novembro na Academia Brasileira de Ciências (ABC), entidade que presidiu por 14 anos.
Embora o termo seja novo, na prática a ideia de pesquisa translacional é antiga. Eduardo Krieger citou a criação do Vale do Silício em parceria com a Universidade Stanford, durante a Segunda Guerra Mundial, como um exemplo da rapidez com que o conhecimento foi transferido da universidade para o setor privado para suprir a demanda por tecnologia militar.
“A medicina demorou para fazer isso”, observou, citando como exemplo a descoberta dos inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA), fármacos usados no tratamento da hipertensão arterial.
“Foram dez anos de pesquisa básica até se chegar ao medicamento”, disse Krieger, um dos maiores especialistas no campo da fisiologia cardiovascular, com foco na pesquisa dos mecanismos de regulação da pressão arterial.
“Hoje, mudou fundamentalmente a velocidade com que a pesquisa feita na bancada e o conhecimento chegam à aplicação. A própria universidade leva o conhecimento para a indústria, ou a indústria vai buscá-lo”, observou.
Eduardo Krieger, que criou o Programa de Cardiologia Translacional do Instituto do Coração (InCor), o mais importante grupo de medicina translacional do Brasil, citou como marco no campo o apoio da FAPESP por meio de Projetos Temáticos, que incentivaram a pesquisa multidisciplinar envolvendo profissionais de diferentes origens.
“Também a USP criou um programa de Apoio à Pesquisa para incentivar projetos multidisciplinares e promover a integração em assuntos temáticos”, disse à Agência FAPESP.
“No plano público, o Ministério da Saúde criou a Rede Nacional de Pesquisa Clínica, que congrega cerca de 35 hospitais universitários e que, inicialmente, forneceu financiamento para que os hospitais criassem uma infraestrutura capaz de fazer a pesquisa clínica. E as grandes universidades também estão criando os seus centros – em Porto Alegre, a Finep financiou a construção de um prédio para investigação clínica”, disse.
Atualmente, Eduardo Krieger coordena um Projeto Temático por meio do qual pesquisa a obtenção de biomarcadores da evolução terapêutica dos pacientes – para saber se um paciente responde melhor ou pior a um determinado tratamento.
O pesquisador também coordena um projeto do Ministério da Saúde e do CNPq que investiga a porcentagem de brasileiros resistentes à terapêutica da hipertensão e qual a melhor quarta droga a ser administrada aos pacientes do SUS. O objetivo é transformar o que se vê na pesquisa clínica em medidas para a saúde pública. “Isso é um dos objetivos da medicina translacional”, disse.
Por Washington Castilhos
Agência FAPESP