Por José Tadeu Arantes Agência FAPESP – O Brasil é o segundo maior produtor mundial de própolis, sendo superado apenas pela China. Das 700 a 800 toneladas de própolis consumidas anualmente no mundo, o país responde por 150 a 170 toneladas, atendendo, entre outros clientes, a 80% da demanda do mercado japonês. No entanto, o número de patentes brasileiras em relação ao produto é, ainda, extremamente baixo. Estima-se que mais de 43% das patentes mundiais com própolis brasileiras tenham sido depositadas por instituições ou empresas do Japão.
Há, atualmente, um forte interesse do mercado europeu pela própolis orgânica certificada produzida no Brasil, porque o produto estaria isento de metais pesados e contaminantes microbianos, bem como pela peculiaridade de seu sabor suave. Mas não havia, até recentemente, nenhum estudo atestando que essa própolis fosse capaz de atender às expectativas dos consumidores, que buscam o produto por suas possíveis propriedades antioxidantes, antimicrobianas, anti-inflamatórias, anticariogênicas e até mesmo anticancerígenas.
Um estudo que confirmou as propriedades antioxidantes e antimicrobianas da própolis orgânica certificada produzida na Região Sul do Brasil foi finalizado recentemente pelo engenheiro agrônomo Severino Matias de Alencar, professor associado da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP), com apoio da FAPESP.
Em colaboração com o farmacêutico Pedro Luiz Rosalen, professor titular de Farmacologia, Anestesiologia e Terapêutica da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e com a participação da doutoranda Ana Paula Tiveron (Esalq) e do pós-doutorando Bruno Bueno Silva (Instituto de Ciências Biomédicas, USP), ambos bolsistas da FAPESP, Alencar investigou 78 amostras, coletadas no sul do Paraná e norte de Santa Catarina, em diferentes apiários.
Nesse total, identificou sete variantes de própolis orgânica, com comprovadas atividades antioxidante (avaliada pelos métodos de sequestro do radical superóxido, do radical peroxila e do ácido hipocloroso) e antimicrobiana (em relação às bactérias Streptococcus mutans, Streptococcus sobrinus, Staphylococcus aureus, Streptococcus oralis e Pseudomonas aeruginosa).
“Foi uma constatação importante porque havia dúvida em relação a essas própolis orgânicas, por causa dos teores muito baixos de flavonoides, que são as substâncias notoriamente responsáveis pelas propriedades antioxidantes e antimicrobianas das própolis, principalmente de clima temperado. Porém, verificamos que essas mesmas propriedades são exercidas, com igual eficácia, pelos ácidos fenólicos”, disse Alencar à Agência FAPESP. “Constatamos, nas variedades pesquisadas, altos teores de ácidos gálico, cafeico e cumárico, entre outros tipos de ácidos fenólicos.”
Os ácidos fenólicos e os flavonoides pertencem à mesma classe química dos compostos fenólicos, cuja principal característica é a presença em suas moléculas de pelo menos um radical hidroxila ligado a um anel benzênico.
“A atividade antioxidante decorre da doação de elétrons ou íons de hidrogênio (H+), originários da hidroxila, que reduzem os radicais livres oxidantes. Já a atividade antimicrobiana decorre de um entre os três modos de ação seguintes: (1) reação com a membrana celular, alterando sua permeabilidade e causando perda de constituintes celulares ou mudanças conformacionais em ácidos graxos dessa membrana; (2) inativação de sistemas enzimáticos ou de enzimas essenciais, como a H+ATPase; ou (3) suprarregulação ou infrarregulação, envolvendo genes de adaptação ao estresse, glicólises e outros fatores”, explicaram Alencar e Rosalen.
Atividade protetora
A atividade antimicrobiana da própolis já era empiricamente conhecida pelos antigos sacerdotes egípcios, que a utilizavam no processo de embalsamamento, para proteger as múmias do ataque de fungos e bactérias. Há relatos de uso da própolis também na Idade Média, para prevenir infecções no cordão umbilical de recém-nascidos. E, até mesmo na Segunda Guerra Mundial, a própolis foi empregada como agente cicatrizante e antimicrobiano no tratamento de soldados em alguns hospitais da antiga União Soviética.
O produto consiste, basicamente, em uma resina vegetal, exsudada por plantas, e coletada em botões florais pelas abelhas presentes no bioma. As abelhas recolhem a resina e a carregam para a colmeia, onde ela desempenha várias funções úteis, como as de vedação, impermeabilização e assepsia ambiental, entre outras. Foram essas funções, essenciais para a preservação da colmeia, que fizeram com que o material fosse chamado de “própolis” (do grego, pro, “em benefício de”, e polis, “cidade”).
“Muitas plantas secretam resinas para proteger os brotos e as folhas em crescimento. Por causa de sua constituição, rica em compostos fenólicos, essas resinas têm um grande poder antioxidante, antifúngico e antibacteriano. As abelhas raspam as plantas e transportam as resinas”, detalhou Alencar.
“Uma vez na colmeia, a função da própolis é, antes de tudo, de proteção física, pois as abelhas têm fobia à luz e utilizam a resina para vedar as frestas e criar um ambiente penumbroso e termicamente isolado. Em razão de sua ação antimicrobiana, o material funciona também como um poderoso esterilizador, fazendo com que a atmosfera interna da colmeia seja muito mais estéril do que a atmosfera externa.”
Os produtores retiram a própolis, abrindo janelas laterais, de dois a três centímetros de altura, na cobertura resinosa da colmeia – janelas que as abelhas voltam a fechar, com mais resina.
“As amostras que colhemos foram produzidas em áreas de mata nativa ou de reflorestamento. E isso confere à produção da própolis orgânica uma virtude a mais, que é a de estimular a preservação ambiental, indispensável ao êxito do empreendimento”, afirmou o pesquisador.
“A doutoranda Ana Paulo Tiveron está pesquisando, por meio das técnicas de HPLC semipreparativo e espectrometria de massas, os compostos bioativos responsáveis pela atividade antioxidante. Esperamos que, com a identificação desses compostos biologicamente ativos, possamos ter marcadores químicos para essas própolis”, disse.
“Estamos com os trabalhos bastante adiantados para, muito em breve, depositar patentes associadas à própolis orgânica, garantindo a propriedade intelectual ao país”, acrescentou.
O passo seguinte, já planejado por Alencar e Rosalen, será o estudo da possível atividade anti-inflamatória e antinociceptiva (analgésica) e da citotoxicidade e da ação antiproliferativa (anticancerígena) da própolis orgânica.
Além disso, os pesquisadores pretendem investigar as eventuais diferenças entre as soluções aquosa e alcoólica de própolis. A pesquisa que conduziram até agora foi feita com a solução alcoólica, que é a mais fácil de produzir. Porém, como muitos consumidores não podem ou não querem ingerir álcool, existe uma demanda crescente pelo extrato aquoso. “A empresa que industrializa o produto na região de União da Vitória, no Paraná, está muito interessada em atender esse segmento do mercado e nos solicitou um estudo a respeito”, afirmou Alencar.