Por Karina Toledo Agência FAPESP – Ao analisar dados de entrevistas feitas com 5.037 moradores da Região Metropolitana de São Paulo, pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) identificaram de que forma fatores individuais, entre eles sexo, idade, condição socioeconômica e área de residência, influenciam no padrão de multimorbidade – termo que no jargão médico descreve a ocorrência concomitante de duas ou mais doenças crônicas em um mesmo indivíduo.
De acordo com os resultados, a ocorrência simultânea de enxaqueca e outros quadros dolorosos, transtornos de ansiedade, depressão e insônia foi cerca de duas vezes mais frequente entre as mulheres. Já a associação entre artrite e doenças metabólicas, como as cardiovasculares e o diabetes, foi mais comum entre idosos e entre moradores de bairros com maior desigualdade de renda.
A associação concomitante de problemas relacionados a drogas, álcool e tabaco foi mais frequente entre jovens, pessoas do sexo masculino e com maior poder econômico. Já o grupo de doenças composto por câncer e quadros neurológicos, entre eles Alzheimer, não evidenciou relação com nenhum dos fatores individuais e contextuais investigados.
“Nossos resultados, assim como os de estudos internacionais, indicam que pessoas com duas ou mais doenças crônicas têm risco aumentado para desenvolver outros quadros crônicos associados. Quanto mais avançada é a idade e menor é o nível socioeconômico, maior é esse risco. E isso acaba criando clusters de morbidade físico-mental na população”, disse Wang Yuan Pang, pesquisador do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (HC) da FMUSP e coordenador da pesquisa ao lado de Laura Helena Andrade, também da FMUSP.
Os resultados foram apresentados por Wang no dia 8 de abril, durante o evento internacional World Health Summit – Regional Meeting Latin America, e serão publicados em uma edição especial da revista The Lancet prevista para ser lançada em outubro na cidade de Berlim, Alemanha.
A análise é um desdobramento do São Paulo Megacity Mental Health Survey (leia mais emhttp://agencia.fapesp.br/15215), levantamento concluído em 2009 no âmbito do Projeto Temático “Estudos epidemiológicos dos transtornos psiquiátricos na Região Metropolitana de São Paulo: prevalências, fatores de risco e sobrecarga social e econômica”, financiado pela FAPESP e coordenado por Andrade.
As entrevistas foram realizadas entre os anos de 2005 e 2007 com uma amostra representativa da população da Região Metropolitana de São Paulo maior de 18 anos. O objetivo inicial era estimar em uma área altamente urbanizada a prevalência de transtornos mentais. O número encontrado foi próximo a 30% – o mais alto registrado entre os 24 países que integraram a Pesquisa Mundial sobre Saúde Mental, da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Os transtornos de ansiedade foram os mais comuns, afetando 19,9% dos entrevistados. Em seguida, destacam-se os transtornos de humor (11%), transtornos de controle de impulso (4,3%) e problemas relacionados ao uso de substâncias (3,6%). Cerca de 10% dos casos foram considerados graves. Desses, apenas 30% obtiveram acesso ao tratamento.
“Em nosso questionário, havia uma seção sobre doenças crônicas. Perguntávamos se em algum momento a pessoa havia recebido o diagnóstico de um médico relativo a problemas cardiovasculares, hipertensão, diabetes, entre outras. E usamos escalas já validadas para avaliar condições como enxaqueca e insônia”, contou Andrade.
São Paulo Megacity
De acordo com Wang, a análise do banco de dados do São Paulo Megacity permitiu separar as 14 condições crônicas referidas pelos entrevistados em quatro padrões de doenças que se correlacionam fortemente, ou multimorbidade: um de doenças dolorosas, ansiedade e depressão; outro de doenças metabólicas e artrite; um terceiro relacionado a abuso de substâncias; e um quarto, mais biológico, que inclui câncer e quadros neurológicos.
“Decidimos então investigar o que determinava esse padrão de concentração de doenças. Para isso, usamos uma técnica estatística chamada análise fatorial. Criamos um indicador, que é um coeficiente de regressão, e testamos vários modelos de análise multinível para avaliar o quanto cada um dos fatores individuais e contextuais influenciam em cada um dos quatro padrões de multimorbidade”, disse Wang.
Os resultados mostraram também que as doenças cardiovasculares, os transtornos de ansiedade e a depressão foram as doenças que apresentaram maior associação com outras condições crônicas. Os pesquisadores estimam que sejam as que impactam mais fortemente a qualidade de vida dos afetados. Esses resultados confirmam as informações recentes do estudo Carga Global de Doenças 2010 para o Brasil.
Na opinião dos pesquisadores, os dados apontam para a importância de reformular o treinamento médico de forma a oferecer aos pacientes um tratamento mais integrado.
“No Brasil, a medicina está muito especializada. O cardiologista cuida do coração, o pneumologista, do pulmão, e assim por diante. Mas, na realidade, o cardiologista também deve estar preocupado com a depressão, ansiedade ou dor, pois essas condições muitas vezes estão associadas”, opinou Wang.
“Transtornos mentais são muito prevalentes e costumam ocorrer junto com as demais doenças crônicas. É necessário, portanto, incluir a psiquiatria no planejamento de estratégias de prevenção e de tratamento”, ressaltou Andrade.
A pesquisa também contou com apoio da FAPESP por meio do projeto “Identificação dos diferentes subgrupos de usuários de álcool e fatores associados na região metropolitana de São Paulo: diferenças entre gêneros, dados sociodemográficos e comorbidades psiquiátricas”, recentemente concluído.