Agência FAPESP – Em experimentos com camundongos, pesquisadores do Instituto Butantan identificaram um conjunto de genes envolvidos na suscetibilidade à artrite reumatoide – doença inflamatória crônica e autoimune que afeta principalmente as articulações.
Os achados foram divulgados em publicado em fevereiro na revista PLoS One. Se validados em humanos, podem abrir caminho para o desenvolvimento de terapias e de testes que permitam prever a evolução da doença.
“A identificação de genes-alvo oferece várias opções de ação. Podemos tentar regular seu funcionamento com medicamentos ou por meio de técnicas de genética molecular, reduzindo assim a severidade da artrite. Os genes também podem servir de marcadores de prognóstico, orientando o tratamento”, afirmou Marcelo De Franco, pesquisador do Butantan e coordenador do projeto “”, apoiado pela FAPESP.
Em indivíduos geneticamente predispostos a desenvolver artrite reumatoide, o próprio sistema imunológico ataca as membranas sinoviais – fina camada de tecido conjuntivo que reveste diversas articulações (mãos, punhos, cotovelos, joelhos, tornozelos, pés, ombros, coluna cervical) e órgãos como pulmões, coração e rins.
“Ninguém sabe ao certo como o processo de artrite é desencadeado, mas sabemos que há pessoas mais suscetíveis. Os fatores genéticos que conferem essa predisposição foi o que tentamos descobrir com esse modelo experimental”, explicou De Franco.
O experimento foi feito com duas linhagens de camundongos que vêm sendo selecionadas há cerca de 20 anos no Butantan – uma para desenvolver baixa resposta inflamatória e ser menos suscetível à artrite (AIRmin) e outra para ter uma resposta inflamatória exacerbada e maior suscetibilidade à doença (AIRmax), explicou De Franco.
“Usamos métodos tradicionais de seleção animal, os mesmos aplicados em gado de corte, por exemplo. São feitos cruzamentos e, a cada geração, são escolhidos os animais com maior e com menor capacidade inflamatória. No final, obtivemos dois grupos com todos os genes responsáveis pelos fenótipos de alta ou baixa inflamação em homozigose, porém com fundo genético heterogêneo (como o da população humana). O modelo, portanto, oferece vantagens em relação a linhagens de camundongos isogênicos, que são todos clones”, disse.
Ao longo das duas últimas décadas, diversos projetos apoiados pela FAPESP contribuíram para o desenvolvimento das linhagens de camundongos AIRmax e AIRmin, entre eles o Projeto Temático “”, coordenado por Olga Celia Martinez Ibanez.
Mapeamento
Para fazer o mapeamento das regiões genômicas relacionadas à inflamação, os pesquisadores promoveram o cruzamento entre os animais das duas linhagens. Em seguida, os camundongos da primeira geração filial (F1) foram cruzados entre si, dando origem a 290 camundongos da segunda geração filial (F2).
“Os marcadores genéticos relacionados à resposta inflamatória e à suscetibilidade a artrite já estavam descritos na literatura científica, mas queríamos comprovar que eles estavam de fato associados ao fenótipo de maior inflamação. Para isso, misturamos os animais e voltamos à condição inicial do processo seletivo. Fomos então investigar se os animais da geração F2 que tinham maior resposta inflamatória apresentavam os marcadores genéticos esperados”, contou De Franco.
Os marcadores genéticos, explicou o pesquisador, podem ser um gene ou uma sequência do genoma que possui variações em uma população e que tem localização cromossômica conhecida. Um exemplo são os genes que definem o tipo sanguíneo.
“Nós usamos sequências genômicas de polimorfismo único (SNP, na sigla em inglês), ou seja, sequências que apresentavam uma variação numa única base de DNA. Foram utilizados 1.500 marcadores, como num teste de paternidade. Esse marcador tem um polimorfismo específico que pode ser do pai – de alta inflamação, por exemplo – ou da mãe – de baixa inflamação. Isso permite identificar regiões cromossômicas relacionadas com a inflamação e com o desenvolvimento de artrite”, explicou De Franco.
Para induzir o processo inflamatório nos camundongos, foi injetada na região dorsal dos animais uma suspensão de micropartículas de poliacrilamida – um tipo de polímero. Após um período de 24 horas, uma outra injeção com solução salina era aplicada na mesma região e o infiltrado inflamatório era coletado para contagem do número de células de defesa, em sua maioria neutrófilos.
“Para induzir a artrite, injetamos um óleo mineral chamado pristane no peritônio dos animais. Cerca de 90 dias depois eles desenvolviam a patologia, que era medida pelo inchaço das patas, pela quantificação de autoanticorpos, citocinas inflamatórias e pela histologia da pata. Os camundongos suscetíveis tinham a pata inchada, autoanticorpos e alta expressão de citocinas inflamatórias, enquanto os resistentes, não”, contou De Franco.
Depois de mapear as regiões cromossômicas relacionadas à suscetibilidade ou resistência à artrite, os pesquisadores voltaram às linhagens iniciais – AIRmin e AIRmax – para análise de expressão gênica nesses locais.
“Buscamos, nessas regiões cromossômicas, genes com a expressão diferenciada nas duas linhagens. Encontramos alguns candidatos e, em seguida, realizamos experimentos para modificar a expressão desses genes e verificar se, com isso, o fenótipo seria alterado”, explicou De Franco.
Entre os genes candidatos foram encontrados: o Slc11a1, no cromossomo 1; o Pycard, no cromossomo 7; e o conjunto Cxcl1, Cxcl9, Cxcl5 e Cxcl13, no cromossomo 5.
“O Slc11a1 é um dos genes de maior efeito, pois regula a ação dos macrófagos – células muito importantes na modulação da resposta inflamatória. Dessa forma, ele acaba regulando a expressão de uma série de outros genes relacionados com inflamação. Quando a expressão desse gene foi modificada, não apenas houve alteração no fenótipo como também mudou a expressão de outros genes relacionados com artrite e com inflamação”, contou De Franco.
Para modificar a expressão dos genes candidatos, os pesquisadores usaram uma técnica conhecida como “falso nocaute”. Camundongos com o gene defeituoso eram acasalados entre si para torná-los homozigotos, explicou De Franco.
“Assim, obtivemos camundongos da linhagem de alta inflamação AIRmax com o gene Slc11a1 defeituoso e outra linhagem de AIRmax portando o gene normal. Fizemos o mesmo para os animais de fraca inflamação, os AIRmin. O cruzamento era assistido por genotipagem, pois, antes de acasalar, nós identificávamos se o gene era normal ou defeituoso por métodos de biologia molecular, por exemplo, a reação de polimerização em cadeia (PCR)”, disse De Franco.
De acordo com o pesquisador, embora humanos e camundongos tenham números de cromossomos diferentes, já são conhecidas as regiões cromossômicas de cada espécie em que é possível fazer um paralelo.
“O próximo passo é investigar melhor a interação entre esses genes, descobrir exatamente como eles regulam a resposta inflamatória e começar a validar os achados em modelos humanos”, disse De Franco.