Por Carlos Fioravanti e Neldson Marcolin – Magda Carneiro Sampaio é uma pediatra que assume suas preferências com tranquilidade: “Só tenho olhos para os bebês. Ainda bem que temos bastante gente aqui no hospital para tratar das crianças maiores e adolescentes”, ela diz. Ao gosto pessoal soma-se uma razão científica. Desde os primeiros passos como pesquisadora, ela quis entender o desenvolvimento imunológico da criança a partir dos primeiros dias de vida. Junte a pediatria com a imunologia e tem-se aí uma profissional capaz de conciliar bem a atividade clínica intensa com a investigação experimental de laboratório.
Magda veio do Recife em 1973, depois de se formar na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), para fazer residência no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), e três anos depois começou o doutorado, orientada pelo veterano imunologista Charles Naspitz, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), para se aprofundar em imunologia aplicada à pediatria. Lotada no início da carreira no Instituto da Criança (ICr) do HC-FMUSP, ela passou 15 anos no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) trabalhando em colaboração com Luiz Trabulsi em pesquisas pioneiras sobre imunologia do leite materno, antes de voltar para o ICr, em 2005. Hoje é a presidente do Conselho Diretor do instituto.
Uma das primeiras no Brasil a trabalhar na área de imunodeficiências primárias, Magda é uma das criadoras de um projeto que procura tornar o diagnóstico das crianças mais humano e seguro, recomendando aos médicos atenção redobrada nos exames clínicos e físicos dos pacientes em vez da habitual longa lista de testes laboratoriais. Ela foi também uma das coordenadoras de um projeto que defende uma nova prática de pediatria para as crianças que poderão viver até 100 anos ou mais, visando à prevenção precoce das doenças crônicas do adulto e do idoso.
Pesquisa FAPESP – A senhora sempre tem algum projeto ambicioso à vista. Qual o mais recente?
Carneiro Sampaio – Um dos mais recentes, de cunho educativo e social, é o “Diagnóstico amigo da criança”. Ele consiste em reduzir o impacto negativo dos procedimentos diagnósticos para a criança, principalmente nas menores. Esse projeto tem três vertentes. A primeira, em que me envolvi mais, visa reduzir a quantidade de sangue que se colhe da criança. É comum tirar vários tubos de sangue e a criança não aguenta. Um bebê de 2 quilos tem uma quantidade muito pequena de sangue, menos de 200 mililitros (ml), aproximadamente um copo de tamanho médio. O volume de sangue a ser coletado é determinado pelo tipo de análise, independentemente da idade e do peso do paciente. Para se fazer a análise propriamente dita, é necessária uma quantidade diminuta de sangue. O problema é a chamada fase pré-analítica, de coleta e preparo do material, que ainda requer que se colha muito sangue. A principal causa de transfusão de sangue em crianças pequenas que ficam internadas se dá em razão do excesso de sangue retirado. Tira-se tanto que é preciso repor. No ICr, passamos a usar sistematicamente tubos muito menores do que os utilizados normalmente [mostra o tubo comum e outro bem menor]. É uma economia de cerca de 90%. Para quase todos os tipos de análises automatizadas [o tubo grande], o volume retirado é muito mais alto do que a quantidade de sangue ou outro material requerida pelo equipamento. O tubo convencional de hemograma, por exemplo, requer 4,5 ml de sangue. Estamos colhendo agora 0,5 ml e mesmo assim é muito, porque usamos 5 microlitros para o exame! Alguns hospitais diferenciados já usam esse sistema, mas os hospitais gerais que têm pediatria ainda não. Estamos começando a disseminar a ideia de que se desperdiça sangue, o que pode representar um agravo para a evolução clínica do paciente pediátrico.
Pesquisa FAPESP – Quais as outras vertentes desse projeto?
Carneiro Sampaio – A segunda delas é reduzir a radiação a que a criança é exposta nos exames de imagem. Falo da patologia clínica, dos exames de imagem, que são muito importantes. Existem algumas radiações inócuas e outras potencialmente muito perigosas, as chamadas radiações ionizantes. A principal é o raio X. Um trabalho inglês e outro australiano demonstram o risco do raio X e da tomografia, que usa grandes quantidades de raio X para gerar as imagens. Os dois estudos, feitos com grandes números de crianças e adolescentes, mostram maior risco para o desenvolvimento de leucemia, linfomas e tumores cerebrais nas pessoas expostas à radiação.
Pesquisa FAPESP – É possível diminuir essa exposição?
Carneiro Sampaio – Sim. Primeiro, deve-se usar a ultrassonografia em todos os exames que forem possíveis porque essa é uma radiação inócua. Há mais de 30 anos é usada em fetos, durante a gestação, sem relatos de problemas. Mas temos algumas situações, por exemplo, a exploração do tórax, em que o ultrassom não é bom, sendo a radiografia convencional e a tomografia os melhores meios exploratórios. No entanto, é preciso que fique muito claro que uma tomografia só deve ser solicitada para uma criança em uma situação excepcional, dada a enorme quantidade de radiação necessária para a geração das imagens. Outro meio para investigação é a ressonância magnética, que usa ondas de rádio, consideradas não ionizantes. Mas a máquina é caríssima e é enorme o tempo necessário para a obtenção das imagens, exigindo que a criança fique imóvel por muito tempo, o que é difícil, daí a necessidade de sedação e mesmo de anestesia em alguns casos. Vem então a nossa terceira vertente, que é humanizar o atendimento para acolher o paciente e reduzir ao máximo os procedimentos anestésicos e de sedação, que têm obviamente riscos, mesmo que pequenos. O princípio de tudo é que os médicos resgatem a importância da clínica. Hoje, o que era exame complementar virou principal! Há uma verdadeira inversão da lógica do diagnóstico médico, que se baseia na formulação de uma hipótese diagnóstica com base nos dados clínicos, obtidos na anamnese [entrevista com o paciente] e no exame físico. Os exames complementares, laboratoriais ou de imagem, são solicitados se forem necessários para confirmar ou afastar as hipóteses levantadas.
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