Maria Guimarães e Pablo Nogueira | Revista Pesquisa FAPESP – Não foi a praia que atraiu o virologista Paolo Zanotto, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), e o doutorando Julian Villabona-Arenas ao Guarujá, no litoral sul de São Paulo, no verão de 2012-2013. Eles estavam acompanhando os casos de dengue no município, selecionado pela proximidade com a metrópole paulistana, e analisando a genética dos vírus para reconstruir a malha de transmissão entre pessoas. As análises mostraram que dois bairros, Pae Cará e Enseada, eram os focos principais da doença, que deles se espalhava para outros pontos da cidade.
O trabalho dos pesquisadores chamou a atenção de uma funcionária do departamento de vigilância sanitária local, que percebeu a preciosidade de saber onde estavam os casos com vírus ativos e convocou uma unidade de fumigação – o chamado “fumacê” – para matar mosquitos nesses locais. “Foram na cabeça do dragão e deram o tiro”, diz Zanotto.
Depois disso, os mapas mostram uma situação mais fácil de controlar, com casos isolados. “É isso que precisa ser feito em todos os municípios”, preconiza, ao mesmo tempo que ressalta a necessidade de combinar vacinas a diferentes formas de controle do mosquito transmissor da doença.
O trabalho do grupo de Zanotto vem apontando caminhos para o combate à dengue e sublinhando o risco crescente das epidemias. Um motivo de alerta é a presença dos quatro sorotipos do vírus que eles observaram em Guarujá naquele verão, como mostra artigo de 2014 na PLoS Neglected Tropical Diseases. Provavelmente tem impacto a proximidade do porto de Santos, onde mosquitos e vírus desembarcam como passageiros clandestinos.
Em Jundiaí, muito próxima à Região Metropolitana de São Paulo, os pesquisadores encontraram apenas os sorotipos 1 e 4, mas isso não chega a ser um alívio. Em conjunto, os dois municípios já revelavam que a capital paulista está sujeita a múltiplos vírus, criando uma situação conhecida como hiperendemicidade, que aumenta o risco de uma pessoa ser infectada várias vezes, com maior risco de casos do tipo hemorrágico.
“A presença dos quatro sorotipos em um surto numa das áreas mais densamente povoadas no Brasil é um achado perturbador”, afirma Villabona-Arenas. “Essa cocirculação só havia sido documentada em países do sudoeste da Ásia há décadas e mais recentemente na Índia, sempre associada à maior gravidade de doença entre crianças.”
De fato, os números mais recentes não permitem relaxar, embora o medo imediato do mosquito Aedes aegypti, transmissor da doença, comece a ficar em segundo plano com a chegada do frio e da seca, que não favorecem o desenvolvimento das larvas.
A região Sudeste foi palco de 66% dos quase 746 mil casos registrados pelo Ministério da Saúde no país inteiro desde o início de 2015 até 18 de abril. É menos do que foi registrado em 2013, mas bem mais do que em 2014.
Nesse total há uma gradação de gravidade – há quem mal sinta sintomas, outros têm febre alta e persistente e passam longos dias prostrados com fortes dores no corpo e náuseas que tornam impossível seguir a prescrição médica de tomar muito líquido. Nesse período, foram confirmados 414 casos graves e 5.771 com sinais de alarme, as categorias que exigem atenção médica. Bem mais do que no ano anterior, com uma alta proporção no estado de São Paulo.
Entre os fatores de gravidade estão danos ao fígado e uma queda alarmante na concentração de plaquetas no sangue, que pode transformar qualquer lesão microscópica em uma hemorragia.
Para Zanotto, os números e a situação de hiperendemicidade indicam uma progressão alarmante da doença. “A dengue está apenas começando no Brasil”, avalia, com base num gráfico do número de casos desde 1995, que prevê uma escalada abrupta a partir de agora. Significa, em sua opinião, que os esforços contra as epidemias devem se tornar mais eficazes. “Deveríamos fazer como o corpo de bombeiros, que age em focos de incêndio, visando contê-los antes que se espalhem e escapem do controle.”
Os estudos de Zanotto em municípios paulistas como Guarujá, Jundiaí e São José do Rio Preto localizam focos de dengue em áreas com indicadores socioeconômicos mais baixos. Mas concentrar esforços nas favelas não basta, conforme mostra estudo do biólogo Ricardo Vieira Araujo, hoje funcionário da Coordenação de Mudanças Globais do Clima do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), publicado este ano na revista Brazilian Journal of Infectious Diseases.
Em São Paulo, ele mostrou que em partes da cidade com temperatura superficial do solo significativamente mais alta, onde há baixa umidade, pouca cobertura vegetal e altos níveis de impermeabilização do solo – as ilhas de calor – há maior incidência de dengue.
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