Karina Toledo | Agência FAPESP – A terapia de estimulação cerebral profunda (DBS, na sigla em inglês) – já usada em humanos para tratar sintomas da doença de Parkinson – está sendo testada na recuperação de paralisia causada por acidente vascular cerebral (AVC).
Os estudos em modelos animais foram coordenados pelo brasileiro Andre Machado, chairman do Cleveland Clinic Neurological Institute e diretor do Centro para Restauração Neurológica da Cleveland Clinic, nos Estados Unidos. A equipe aguarda a autorização das autoridades de saúde norte-americanas para dar inícios aos primeiros ensaios em humanos.
O método consiste em implantar, por meio de cirurgia, pequenos eletrodos em áreas profundas do cérebro, além de um gerador de pulsos sob a pele, na região da clavícula. Os impulsos elétricos são enviados do gerador até o cérebro, modulando a atividade de estruturas nervosas, estimulando a formação de novas sinapses e possivelmente até de novos neurônios. A técnica também vem sendo estudada por outros grupos no tratamento de depressão e dor crônica.
“No caso da doença de Parkinson esse método reduz sintomas como tremor, rigidez e lentidão de movimentos. Em estudos com animais de laboratório, vimos que pode melhorar significativamente o resultado da reabilitação física após o AVC”, disse Machado em entrevista à Agência FAPESP.
No modelo animal, o grupo buscou estimular uma região do cerebelo conhecida como núcleo denteado, que tem conexões amplas e diretas com o córtex.
Para induzir um quadro de AVC isquêmico nos ratos, os pesquisadores recorreram a duas técnicas diferentes. A primeira foi a injeção local de um fármaco chamado endotelina, que diminui a passagem de sangue na artéria cerebral média. Na outra, a artéria foi coagulada e cortada por meio de microcirurgia. Em ambos os casos, um infarto é induzido na região irrigada pelo vaso, de maneira semelhante à que ocorre quando há uma obstrução por aterosclerose. A morte de parte do tecido cerebral resulta normalmente em paralisia parcial no lado oposto.
Todos animais foram então submetidos à implantação do equipamento de estimulação cerebral profunda e passaram por um período de reabilitação física, uma espécie de fisioterapia adaptada. Metade dos roedores recebeu a estimulação cerebral e na outra metade, considerado como grupo controle, o estimulador não foi ativado.
Foi então comparada a recuperação dos movimentos do grupo controle – que apenas passou por treinamento físico – com o grupo que recebeu a terapia de estimulação cerebral paralelamente ao treinamento físico.
“Mensuramos a melhora por meio de tarefas já bem definidas na literatura científica, que buscam encorajar os animais a usar a pata afetada pelo AVC para pegar pedaços de comida e levá-los à boca. É possível comparar o número de pedaços e criar um índice de retorno de função. O grupo que passou pela DBS teve desempenho significativamente superior ao grupo controle”, contou Machado.
Mecanismo de ação
Ao investigar os mecanismos pelos quais a terapia induziu a melhora, a equipe descobriu que o grupo tratado apresentou o dobro do número de sinapses na área ao redor do AVC, quando comparado ao controle.
Também foi observado um aumento na expressão de proteínas relacionadas a um fenômeno conhecido como potencial de longa duração (LTP, na sigla em inglês), associado a processos de plasticidade cerebral.
“Esses dados indicam que a terapia favorece uma reorganização do cérebro, de modo que outras regiões possam assumir parte das funções que eram desempenhadas pelas áreas afetadas”, explicou Machado.
Estudos mais recentes do grupo, ainda não publicados, indicam que a terapia também induz o processo de neurogênese – que é a formação de novos neurônios – na área ao redor do AVC.
“Por meio de um método chamado imuno-histoquímica, analisamos amostras do tecido cerebral dos ratos submetidos ao tratamento e vimos aumento estatisticamente significativo no número de células novas comparado ao grupo controle”, disse o pesquisador.
Parte dos resultados obtidos até o momento foi divulgado em artigos na revista , no e na .
Nos Estados Unidos, quase 800 mil pessoas por ano sobrevivem ao AVC. Dessas, apenas 10% se recuperam quase totalmente. Cerca de 25% ficam com deficiência leve, 15% morrem pouco tempo após o episódio e 50% ficam severamente debilitados e dependentes de cuidados especiais.
No Brasil, segundo a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), ocorrem 100 mil mortes todos os anos pela doença, atingindo quase na mesma proporção homens (50,5%) e mulheres (49,5%). Estima-se que outros 300 mil sobrevivem, ficando com sequelas ou não.