Karina Toledo | Agência FAPESP – Com auxílio de uma técnica que combina simultaneamente exames de eletroencefalograma (EEG) e ressonância magnética funcional (RMF), pesquisadores brasileiros e ingleses tentam compreender a relação entre os padrões de sono e a epilepsia.
Segundo os autores, os resultados deverão contribuir para um melhor entendimento da doença, com impactos no diagnóstico, avaliação do prognóstico e na eficácia do tratamento.
A colaboração envolve cientistas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade de São Paulo (USP), Universidade de Nottingham e Universidade de Birmingham, na Inglaterra. Os trabalhos são realizados no âmbito do Instituto de Pesquisa sobre Neurociências e Neurotecnologia () – um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão () apoiados pela FAPESP – e da Cooperação Interinstitucional de Apoio a Pesquisas sobre o Cérebro (). A pesquisa também é financiada por meio de um projeto selecionado em uma lançada no âmbito de um acordo de cooperação entre a FAPESP e as duas universidades inglesas.
“Nosso foco é a epilepsia generalizada, antigamente chamada de epilepsia idiopática ou primária. Nesses casos, as crises muitas vezes se manifestam durante o sono – principalmente durante a fase de transição de sono para vigília. Os episódios também costumam estar associados à privação de sono”, contou Fernando Cendes, pesquisador da Unicamp e coordenador do BRAINN.
De acordo com Cendes, essa forma da doença não tem uma causa bem definida e acredita-se que seja resultado de uma associação de fatores genéticos e ambientais. Não há prejuízos cognitivos e nem alterações estruturais visíveis no cérebro – possivelmente apenas em nível molecular. O principal sintoma da doença são as convulsões, resultantes de alterações súbitas na atividade elétrica do cérebro.
“O exame de EEG pode detectar as chamadas alterações interictais epileptiformes – ondas agudas anormais, denominadas complexos do tipo espícula-onda lenta, que ocorrem caracteristicamente nessa forma da doença e funcionam como marcadores”, disse Cendes.
Padrões de sono
Quando ocorre uma descarga epiléptica, os pesquisadores podem avaliar por meio da RMF quais áreas do cérebro estão ativadas e quais circuitos neuronais estão envolvidos.
“Existe um sinal conhecido como BOLD [do inglês Blood Oxigenation Level Dependent], que mede o nível de oxigenação do sangue. Quanto mais ativa está uma determinada região cerebral, maior é a captação de oxigênio e ocorre modificação nesse sinal. Também podemos estudar os padrões fisiológicos do eletroencefalograma e como ele varia quando a pessoa está dormindo, em vigília, em repouso, de olhos abertos ou fechados. Fazendo esses exames em pessoas com epilepsia e em voluntários sadios podemos comparar os resultados e ver quais as diferenças”, explicou Cendes.
O exame é feito com o voluntário dormindo dentro do equipamento de ressonância magnética e com os eletrodos do EEG conectados. Mas como dura somente uma hora, apenas os estágios iniciais do sono são avaliados. “É possível ver o padrão de ondas e de ativação cerebral nessa transição da vigília para o sono e como se encontram os ritmos normais de pessoas com epilepsia e dos voluntários sadios”, disse o pesquisador.
Parte dos exames está sendo realizada no Hospital das Clínicas da Unicamp, sob a coordenação de Cendes, e parte no Birmingham University Imaging Center (BUIC), sob coordenação do pesquisador Andrew Bagshaw. Em ambos os centros está sendo usado o mesmo modelo de ressonância de 3 Tesla, para que seja possível comparar os dados coletados.
“Ao examinar o que acontece no cérebro adormecido e ao comparar os padrões de sono de cada indivíduo com os padrões de funcionamento cerebral durante a vigília, estou interessado em descobrir o que o cérebro deveria estar fazendo durante o sono. Podemos usar esses métodos para descobrir como esses processos são afetados pela epilepsia e, assim, entender melhor os dois fenômenos”, afirmou Bagshaw.
“Já fizemos os exames em cerca de 25 pessoas e agora estamos na fase de analisar os dados. Provavelmente será necessário fazer novas coletas, pois o grau de alteração é muito pequeno. Toda vez que temos um sinal pequeno, é preciso um maior número de observações para termos certeza de que não se trata de um evento isolado”, disse Cendes.
De acordo com o coordenador do BRAINN, a colaboração com a Inglaterra está sendo importante para desenvolver novas técnicas de aquisição de imagens de ressonância magnética que permitam avaliar de forma mais adequada as alterações cerebrais envolvidas na epilepsia. “Com pequenas adaptações, essas técnicas poderão ser usadas para estudar outras doenças do cérebro, como depressão, demência e esquizofrenia”, afirmou.
“Tenho estado particularmente interessado no trabalho do professor Cendes na Unicamp há algum tempo. Ele tem usado métodos de imagem para determinar tanto o tipo como a gravidade dos casos de epilepsia em seus pacientes e, assim, planejar o tratamento. Embora seja responsável por um número relativamente grande de pacientes, Cendes tem usado essas novas abordagens para criar tratamentos personalizados para aqueles sob seus cuidados”, disse Bagshaw.