Karina Toledo, de Michigan | Agência FAPESP – Diversos estudos voltados a encontrar genes relacionados ao desenvolvimento ou à evolução de doenças como câncer e hipertensão foram apresentados no dia 28 de março, em Ann Arbor, nos Estados Unidos, durante a programação da FAPESP Week Michigan-Ohio.
O evento nas cidades de Ann Arbor e Columbus foi organizado pela FAPESP em parceria com a University of Michigan (UM) e a Ohio State University (OSU), com o objetivo de fomentar novas colaborações entre pesquisadores paulistas e norte-americanos.
Entre os palestrantes estava o endocrinologista Antônio Marcondes Lerario, da University of Michigan Medical School, cujo trabalho é voltado a identificar alvos para o tratamento do carcinoma adrenocortical (CAC), um tipo raro de câncer caracterizado pelo crescimento anormal da camada externa (cortical) das glândulas adrenais – localizadas acima dos rins.
O córtex adrenal tem um importante papel no sistema endócrino, pois produz hormônios que regulam o metabolismo e a pressão sanguínea. Também sintetiza o cortisol e os hormônios masculinos conhecidos como andrógenos. O CAC pode desencadear uma produção excessiva desses hormônios.
“Do ponto de vista clínico, é uma doença bastante heterogênea. Há casos relacionados com mutações herdadas, mas a maioria são casos esporádicos. Alguns pacientes evoluem bem e outros, mal. Estamos identificando biomarcadores que ajudam a distinguir esses diferentes casos”, contou Lerario.
Além de cirurgia para a remoção do tumor, o tratamento da doença inclui quimioterapia, radioterapia e medicamentos que bloqueiam a produção de cortisol quando os níveis desse hormônio estão muito altos.
Segundo Lerario, não há, porém, opções eficientes para tratar os casos avançados, em que ocorreu a formação de metástase. “O que podemos fazer é entrar com uma quimioterapia agressiva, que melhora um pouco os sintomas, mas não afeta a sobrevida global. Por isso nossa pesquisa está voltada a identificar alvos moleculares específicos que possam ser bloqueados por meio de drogas e, assim, reduzir a progressão da doença sem afetar os tecidos sadios. É o que chamamos de terapia-alvo”, explicou.
Diversos genes candidatos estão sendo investigados na University of Michigan Medical School. Um desses alvos terapêuticos – o IGF-2 (Insulin-like growth factor 2) – chegou a ser testado em ensaios com humanos, mas não mostrou a eficácia esperada.
“O IGF-2 é um gene que se encontra hiperexpresso em 90% dos portadores de carcinoma adrenocortical e sabemos que induz a proliferação e o crescimento celular. Tentamos usar drogas que bloqueiam o receptor dessa proteína. Funcionou in vitro, funcionou em modelos animais, mas nos testes com humanos apenas 5% dos pacientes responderam”, contou o pesquisador.
Os 5% que responderam, no entanto, apresentaram melhora significativa. A doença parou de progredir por um tempo prolongado e, em alguns casos, chegou a regredir. Segundo Lerario, porém, ainda não é possível saber com antecedência quais pacientes vão responder a essa terapia.
“É uma doença complexa. Além do IGF-2, há outras vias oncogênicas ativas e parece existir um sinergismo entre elas. Nossa meta agora é encontrar meios de atuar em várias dessas vias simultaneamente ou de identificar se há uma via central”, disse Lerario.
Hipertensão resistente
A relação entre os casos de hipertensão resistente ao tratamento e a ativação excessiva dos receptores celulares para o hormônio aldosterona (conhecido como receptor mineralocorticoide) foi o tema da palestra apresentada pelo professor Bryan Byrd, da Divisão de Medicina Cardiovascular da University of Michigan Medical School.
Segundo Byrd, são considerados resistentes ao tratamento aqueles pacientes cuja pressão arterial não fica sob controle mesmo tomando simultaneamente, em doses ideais, três medicamentos de diferentes classes, sendo um deles, necessariamente, um diurético.
“As melhores estatísticas que temos sobre esses casos são brasileiras, levantadas por pesquisadores do Instituto do Coração (InCor) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), e indicam que o problema acomete aproximadamente 10% dos hipertensos”, contou Byrd.
Entre esses casos de resistência real à terapia, contou o pesquisador, 20% dos pacientes apresentam ativação excessiva do sistema relacionado ao hormônio aldosterona, o que faz com que o rim retenha maior quantidade de água e de sódio.
“No processo evolutivo, o receptor mineralocorticoide surgiu quando os mamíferos deixaram o meio aquático, com a missão de impedir a morte por desidratação. A ativação desse receptor indica para o rim que ele deve reter água e sódio em situações em que há dificuldade para encontrar água. Mas algumas pessoas parecem produzir muito hormônio aldosterona mesmo quando estão bebendo quantidades suficientes de água e ingerindo muito sal em suas dietas”, contou Byrd.
No entanto, acrescentou o pesquisador, estudos recentes têm mostrado que mesmo alguns hipertensos com níveis sanguíneos normais de aldosterona respondem bem a drogas que bloqueiam a ação do receptor mineralocorticoide.
“Isso nos sugere que pode haver outros meios de ativar esse receptor, moléculas com ação similar à da aldosterona que precisam ser identificadas. Outra possível explicação é que esses pacientes tenham uma superexpressão do receptor mineralocorticoide. Nossos estudos tentam identificar qual é a causa precisa dessa ativação exagerada do sistema”, afirmou Byrd.
Ainda na mesma sessão, a pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Gisele Colleoni apresentou uma linha de pesquisa dedicada a encontrar alvos terapêuticos e biomarcadores de prognóstico para o mieloma múltiplo – um tipo de câncer que afeta as células do sistema imunológico conhecidas como linfócitos.
Nils Walter, professor de Química da University of Michigan, falou sobre o uso de microscopia de fluorescência como ferramenta não invasiva para dissecar, em células vivas, o papel de moléculas de RNA que não codificam proteínas, mas têm papel regulador na expressão dos genes e podem estar envolvidas no desenvolvimento de doenças.
Já o pesquisador da USP apresentou iniciativas voltadas a mapear a estrutura genética da população brasileira – altamente heterogênea em decorrência de cruzamentos entre diversas etnias – e comentou como o conhecimento de variantes genéticas pode ajudar a identificar suscetibilidade para o desenvolvimento de doenças crônicas.
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