Elton Alisson | Agência FAPESP – A sensação de prazer proporcionada pelo consumo de um doce e o valor calórico desse tipo de alimento evocam vias diferentes do cérebro.
Por isso, ao ter que escolher entre comer algo com sabor desagradável, mas calórico, e um alimento mais palatável, porém sem calorias, alguns animais vertebrados podem fazer a primeira escolha, priorizando energia para assegurar sua sobrevivência.
A constatação é de um estudo realizado por pesquisadores da Yale University, nos Estados Unidos, em colaboração com colegas do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) e do Centro de Matemática, Computação e Cognição da Universidade Federal do ABC (CMCC-UFABC).
O estudo, publicado na edição on-line da revista Nature Neuroscience e pelo jornal inglês The Telegraph, teve participação de Tatiana Lima Ferreira, pesquisadora do CMCC-UFABC.
A pesquisadora obteve uma da FAPESP para realizar pesquisa de pós-doutorado em Yale, no laboratório coordenado pelo brasileiro Ivan Eid Tavares de Araújo, responsável pelo estudo.
“Observamos que há diferentes circuitos neuronais em uma mesma região cerebral envolvidos na percepção da sensação de prazer proporcionada pela ingestão de um alimento doce que são diferentes, por exemplo, daqueles que codificam a caloria desses alimentos”, disse Ferreira à Agência FAPESP.
Por meio de uma série de experimentos com camundongos, os pesquisadores identificaram que a sensação de prazer da ingestão e o valor calórico e nutricional dos alimentos evocam circuitos neuronais do estriado – uma região do sistema subcortical, no interior do cérebro, pertencente aos gânglios de base.
Os circuitos neuronais dessa região do cérebro envolvidos na percepção dessas duas características, contudo, são distintos.
Enquanto os circuitos neuronais da parte ventral do estriado são os responsáveis pela percepção da sensação de prazer (hedonia) proporcionada pelo sabor doce, os neurônios da parte dorsal são encarregados de reconhecer o valor calórico e nutricional dos alimentos adocicados.
“Estudos anteriores do grupo de pesquisadores em Yale com o qual eu colaboro já haviam relatado que circuitos do estriado e os neurônios dopaminérgicos [que produzem o neurotransmissor dopamina, associado ao prazer e à recompensa] que enervam essa região cerebral poderiam estar envolvidos com o reconhecimento dessas características dos alimentos: a do valor nutricional e o gustativo”, disse Ferreira.
“Mas ainda não se sabia se os circuitos da parte dorsal e os do lado ventral do estriado estariam ou não envolvidos igualmente na percepção dessas duas características”, ponderou.
Circuitos distintos
A fim de identificar quais circuitos neuronais do estriado estão envolvidos na percepção específica desses atributos dos alimentos, os pesquisadores realizaram um experimento para quantificar a liberação de dopamina na região do estriado de camundongos após serem expostos a substâncias doce com e sem caloria.
Para isso, os animais lambiam o bico de um bebedouro com adoçante e recebiam doses de soluções contendo açúcar (D-glicose) ou um adoçante também não calórico (sucralose), injetadas diretamente no estômago.
Os resultados do experimento indicaram que houve um aumento da liberação de dopamina no estriado ventral durante a ingestão do adoçante independentemente de qual solução estava sendo administrada no sistema digestivo dos animais – se era açúcar ou adoçante.
“Os circuitos neuronais dessa região do cérebro não discriminam se o alimento que está sendo ingerido tem ou não caloria. Basta que o alimento seja palatável para a dopamina ser ativada nessa região cerebral”, disse Ferreira.
Em contrapartida, houve um aumento da liberação de dopamina na região do estriado dorsal somente quando a ingestão do adoçante foi acompanhada por infusão intragástrica de açúcar – o que sugere que os circuitos neuronais dessa região do cérebro são sensíveis seletivamente à caloria do alimento, ponderou a pesquisadora.
“Apesar de o adoçante ser palatável, não houve um aumento da liberação de dopamina nessa região do cérebro dos animais quando foram expostos a esse alimento. Isso pode estar relacionado ao fato de que, ao contrário do açúcar, o adoçante não possui caloria, apesar de ser bastante doce e palatável”, comparou Ferreira.
Os pesquisadores também avaliaram o efeito da diminuição da sensação de prazer proporcionada pela ingestão de uma substância não palatável, mas calórica, na liberação de dopamina nessas regiões do cérebro dos camundongos.
Para isso, eles alteraram o sabor do adoçante que os animais lambiam no bico do bebedouro ao adicionar um pouco de benzoato de denatônio – um composto que confere sabor amargo às formulações. Ao mesmo tempo, os camundongos receberam infusões intragástricas de açúcar (glicose).
Embora a alteração do sabor do adoçante tenha suprimido a liberação de dopamina no estriado ventral induzida pelo açúcar injetado no estômago dos animais, houve um aumento da liberação do neurotransmissor no estriado dorsal, constataram os pesquisadores.
“Nossos dados indicam que o açúcar recruta neurônios da via dopaminérgica ao estriado, que, em geral, priorizam a ingestão de caloria, mesmo em uma situação desagradável com relação ao sabor do alimento”, disse Ferreira.
“Isso sugere que é o desejo do cérebro por calorias, e não pelo sabor doce dos alimentos, que controlaria nossa ‘necessidade’ e, em alguns casos, compulsão por substâncias doces”, afirmou.
O artigo Separate circuitries encode the hedonic and nutritional values of sugar (doi: 10.1038/nn.4224), de Araújo e outros, pode ser lido por assinantes da revista Nature Neuroscience em .