Karina Toledo | Agência FAPESP – Um dispositivo capaz de dispensar automaticamente quantidades suficientes de larvicida para manter caixas d’água livres de larvas de mosquito por até um ano foi escolhido como a “solução mais implementável” em um concurso de inovação realizado nos Estados Unidos, no início de abril, com o objetivo de criar novas ferramentas para combater o vírus Zika e demais patógenos transmitidos pelo Aedes aegypti.
Três brasileiros integram o grupo responsável pelo desenvolvimento do LAD (Dispensador Automático de Larvicida, na sigla em inglês): o engenheiro Marcelo de Castro, fundador da empresa Linpix Software LLC, e os alunos de doutorado da Universidade da Carolina do Norte (UNC) em Charlotte Adriano Schneider e Denis Jacob Machado – este último da FAPESP.
A equipe conta ainda com Gregorio Linchangco, também aluno de doutorado da UNC Charlotte, o médico M. Ihsan Kaadan (Massachusetts General Hospital), a estudante secundarista Kara Luo (Lexington High School), a estudante de medicina Karen Cheng (Boston University School of Medicine) e o engenheiro Paul Chang (Cornell University).
“Castro teve a ideia de criar o dispensador automático depois de ver reportagens veiculadas na imprensa brasileira que mostravam equipes de saúde do governo visitando mensalmente bairros com grande incidência de Aedes para aplicar larvicida manualmente nas caixas d’água”, contou Machado.
Segundo o pesquisador, tal medida não é eficaz no combate ao mosquito, pois, como há muita circulação de água no interior das caixas, o larvicida rapidamente se dispersa. “Como a larva do mosquito leva entre 7 e 10 dias para se desenvolver, os reservatórios estariam protegidos somente na primeira semana após a aplicação do produto”, acrescentou Machado.
Em apenas 48 horas, com auxílio de uma impressora 3D, o grupo criou um protótipo do LAD, que no Brasil deverá ser lançado com outro nome. Trata-se de um dispositivo portátil de plástico que fica sob a superfície da água e garante uma concentração segura de larvicida nos reservatórios mesmo após vários ciclos (esvaziar e encher a caixa várias vezes). A equipe estima que a manutenção só seja necessária uma vez por ano.
“Dessa forma, o número de visitas pode ser reduzido drasticamente e a eficiência da medida aumentada. Uma de nossas preocupações era encontrar meios de usar a menor quantidade possível de produto químico para eliminação das larvas. Levando em consideração seu ciclo de vida, não há necessidade de adicionar larvicida diariamente. Cerca de uma vez por semana é suficiente”, disse Machado.
Formado em Biologia Marinha, Machado cursa o doutorado na área de bioinformática, com o objetivo de desenvolver estratégias computacionais que podem ser usadas para entender a evolução de toxinas em anfíbios. No Brasil, ele está vinculado ao Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP), sob orientação do professor Taran Grant.
“Tenho grande interesse em toxicidade e, quando me convidaram para participar da equipe, minha principal preocupação foi garantir que a quantidade de larvicida liberada pelo dispositivo não fosse danosa nem para o meio ambiente, nem para os moradores da casa”, disse.
Nos Estados Unidos, Machado, Schneider e Linchangco são orientados pelo professor da UNC Charlotte Daniel Janies, coordenador do Departamento de Bioinformática e Genômica.
Schneider, originalmente, iniciou um projeto de doutorado voltado ao uso de ferramentas de bioinformática para o estudo do vírus HIV, causador da Aids. Quando emergiu a epidemia associada ao vírus Zika, porém, seu foco mudou. “Desde janeiro tenho estudado a evolução do vírus Zika e, por meio de parcerias com especialistas em imunologia, tento entender quais alterações genéticas o vírus sofreu para alcançar a atual patogenicidade”, contou.
Hackeando o Zika
Realizado no Massachusetts General Hospital (MGH), em Boston, o evento Zika Innovation Hack-a-thon 2016 reuniu nos dias 2 e 3 de abril cerca de 150 interessados em saúde global e em inovação. A iniciativa foi organizada pelo The Consortium for Affordable Medical Technologies (CAMTech) e pelo Global Disaster Response, um dos centros sediados no MGH. O desafio proposto aos participantes era criar, em apenas 48 horas, soluções inovadoras para combater as doenças transmitidas pelo Aedes, bem como o mosquito vetor.
O Hack-a-thon – também conhecido como hack day ou hackfest – é um modelo de evento que surgiu no fim do século passado, nos Estados Unidos, visando reunir programadores, desenvolvedores de software e de hardware e promover colaboração intensa em um projeto específico.
“Mais recentemente surgiu uma versão de hack-a-thon voltada para inovação. De maneira geral, são organizados quando se sente a necessidade de encontrar soluções para um problema específico, neste caso, o combate ao Zika”, contou Machado.
Além do LAD, premiado na categoria “Solução mais Implementável”, outros projetos foram selecionados nas categorias “Solução mais Inovadora” e “Inovação que Promete o Maior Impacto em Saúde Pública”. No primeiro caso, venceu um aplicativo para celular capaz de detectar a presença e a localização geográfica de larvas de mosquito. No segundo caso, houve empate entre dois projetos: um aplicativo que permite ao usuário reportar áreas propícias para reprodução do mosquito e um jogo voltado a ensinar crianças sobre os riscos associados ao Aedes.
Além de um prêmio simbólico em dinheiro, os vencedores receberão apoio logístico da CAMTech para transformar a ideia em um produto. “Eles têm uma plataforma de inovação e assessoram os grupos na aquisição de patente, no processo de desenvolvimento de produtos e na obtenção de financiamento”, contou Machado. “O Hack-a-thon é um modelo interessante porque reúne pessoas de diversas áreas. Algumas ideias que originalmente não seriam viáveis, quando trabalhadas em time, tornam-se possíveis de implementar”, acrescentou.