Karina Toledo | Agência FAPESP – Raro e bastante agressivo, o melanoma de mucosa é caracterizado por lesões hiperpigmentadas que variam do castanho claro ao preto e podem aparecer na cavidade oral, nas fossas nasais ou nos seios paranasais – também conhecidos como seios da face.
Ao avaliar dados de 51 pacientes diagnosticados com a doença e tratados no A.C. Camargo Cancer Center entre 1954 e 2012, pesquisadores da instituição observaram clara associação entre diagnóstico tardio e menor sobrevida.
De acordo com os resultados no International Journal of Oral & Maxillofacial Surgery, a maioria dos pacientes apresentava doença avançada no momento do diagnóstico e, ao final do estudo, apenas sete estavam vivos.
A pesquisa foi coordenada pelo cirurgião de cabeça e pescoço Mauro Kasuo Ikeda, no âmbito do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Oncogenômica () – um dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) apoiados pela FAPESP em São Paulo.
“O grande problema é que, por ser raro e nem sempre visível, o melanoma de mucosa é de difícil diagnóstico. Muitos pacientes já estão em estágio avançado quando chegam a um serviço especializado”, contou Ikeda.
Segundo o pesquisador, oito entre dez casos de melanoma de mucosa são identificados a partir de uma pigmentação em áreas como a gengiva superior e a cavidade nasal. Geralmente, os primeiros a perceber o tumor são dentistas ou médicos otorrinolaringologistas.
No entanto, quando os pacientes são encaminhados para um centro especializado, mais da metade já apresenta lesões ulceradas, que demandam um tratamento cirúrgico mais agressivo e com menor possibilidade de controle da doença.
Ikeda relatou que não houve ao longo dos anos uma grande evolução nas taxas de sobrevida, pois o tratamento para esse tipo de câncer continua sendo, desde os anos 1950, essencialmente cirúrgico.
“Essas lesões não respondem bem à químio ou radioterapia. A diferença é que, graças aos avanços nas técnicas de reconstrução plástica, os casos graves, que antes não eram operados, hoje podem ser”, contou o cirurgião.
De acordo com o pesquisador, os tumores malignos, de maneira geral, são divididos em estágios de agressividade que variam de 0 a 4. Mas, no caso do melanoma de mucosa, praticamente todas as lesões diagnosticadas – independentemente do tamanho ou da profundidade – são consideradas como grau 3 ou 4, o que significa um prognóstico ruim, com alto risco de metástase e de morte relacionada ao tumor. Tão raro quanto a doença é descobri-la em suas fases iniciais (graus 1 e 2).
“Mas o diagnóstico precoce não é impossível de se obter. O estudo mostrou que 84,3% apresentam uma forte pigmentação nas cavidades bucal e nasal e, com posse dessa informação, dentistas e otorrinolaringologistas podem atentar para lesões que possam estar presentes nestas áreas, identificando-as bem no início e encaminhando o paciente para um centro especializado”, ressalta Ikeda.
Há porém um contraponto, alerta o pesquisador. Pessoas com cerca de 40 anos ou mais costumam ter em sua arcada dentária restaurações feitas com amálgama, um derivado do mercúrio. “Muitas vezes, quando se fazia esse tipo de procedimento, escapava um fragmento de mercúrio que se instalava na mucosa induzindo maior pigmentação no local sem qualquer relação com câncer. Portanto, o diagnóstico pode ser confuso e requer um profissional treinado”, disse.
No caso das lesões nos seios da face a visualização é praticamente impossível, relatou Ikeda. O diagnóstico geralmente é feito quando o paciente já apresenta sintomas como sangramento nasal ou quando o tumor se espalha para outras regiões da cabeça.
Fatores de risco e marcadores de agressividade
Ao contrário de outros tumores que afetam cabeça e pescoço, o melanoma de mucosa não está relacionado ao consumo de álcool ou tabaco. Também não há ligação com exposição prolongada à radiação solar, como é o caso do melanoma de pele.
“Alguns estudos encontraram mutações em tumores individuais, mas são achados esporádicos, não é algo que possa ser reconhecido como causa. Não há uma causa bem estabelecida”, disse Ikeda.
Um dos objetivos dos pesquisadores do INCITO, atualmente, tem sido identificar aspectos clínicos e biomarcadores moleculares que sejam preditores de melhor ou pior prognóstico e possam ajudar a melhorar as taxas de sobrevida global.
“O surgimento de novos quimioterápicos e imunoterápicos também oferece boas perspectivas ao tratamento. É possível que os anticorpos monoclonais possam ter alguma interferência na evolução desses pacientes”, avaliou Ikeda.
O artigo Head and neck mucosal melanoma: clinicopathological analysis of 51 cases treated in a single cancer centre and review of the literature (doi: 10.1016/j.ijom.2015.08.987) pode ser lido em .