Diego Freire | Agência FAPESP – Com o objetivo de oferecer um tratamento menos agressivo a pacientes com câncer avançado, pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) aplicam de forma experimental em um ambulatório da instituição uma técnica inovadora que utiliza luz infravermelha para remover tumores sólidos em cabeça e pescoço.
Introduzida e aprimorada pelo Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Unifesp no âmbito do projeto temático , realizado com o apoio da FAPESP, a técnica consiste na termoablação do tumor – a evaporação da água no compartimento celular de lesões sólidas e consequente eliminação do tecido tumoral – aplicada em paralelo a injeções intratumorais do medicamento quimioterápico cisplatina.
“Com essa prática ambulatorial conseguimos melhorar certas condições mórbidas do paciente, como sangramento, dor por compressão tumoral, infecção local e odor, que impactam a qualidade de vida em uma doença avançada”, diz Marcos Bandiera Paiva, que trouxe a técnica para o Brasil após 20 anos de pesquisa na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), onde mais de 500 pacientes já foram submetidos ao procedimento com sucesso.
Conhecida como laser-indução de terapia térmica (LITT), a técnica é utilizada na UCLA para termoablação de tumores de cérebro, mama, pulmão e próstata. Com o apoio da FAPESP, o tratamento foi aprimorado por meio da aplicação de injeções locais de quimioterapia, utilizando-se o quimioterápico cisplatina em combinação com a LITT, uma inovação em comparação ao tratamento administrado nos pacientes nos Estados Unidos, feito apenas com o laser.
A vantagem da combinação de cisplatina com LITT está na abrangência do procedimento. Durante a desobstrução tumoral, observam-se níveis máximos de energia na área central do tumor, submetida a temperaturas acima de 100° C, ao passo que as margens são tratadas em níveis subterapêuticos, com a temperatura do laser entre 40°C e 60°C, o que propicia a recidiva do crescimento tumoral. As injeções localizadas de cisplatina na periferia do tumor potencializam a erradicação tumoral localizada – isso porque, explica Paiva, aquecida nas regiões periféricas do tumor durante a aplicação do laser, a cisplatina tem sua toxicidade aumentada.
“O calor faz com que o quimioterápico tenha sua capacidade de penetrar nas membranas celulares exacerbadas. A célula tumoral fica mais facilmente permeável à cisplatina, potencializando assim a toxicidade da quimioterapia local e levando a uma erradicação mais eficaz do tumor.”
Ao contrário da radioterapia, cuja radiação possui energia suficiente para ionizar átomos e moléculas, danificando as células saudáveis e afetando o material genético, o procedimento adotado no ambulatório da Unifesp pode ser repetido após um intervalo de três semanas, garantindo melhores resultados e até a remoção completa do tumor.
Atendimento
Os pacientes atendidos passam por uma triagem antes de serem submetidos ao tratamento. Entre os elegíveis estão aqueles que não respondem a terapias convencionais, como quimioterapia sistêmica ou radioterapia, e que não podem ser submetidos a cirurgia. É preciso estar em condições clínicas adequadas à administração de anestesia geral.
“A técnica introduz o conceito inovador de um procedimento minimamente invasivo por meio de injeções intratumorais de altas doses de quimioterapia combinada com hipertermia local. Trata-se de um tratamento experimental paliativo para controle local da doença em alguns pacientes selecionados, não havendo garantias de cura, mas considerável melhora de alguns sintomas específicos”, diz Paiva.
De acordo com o pesquisador, “o tratamento traz ainda alguma esperança aos pacientes para que a técnica, localizada, possa ser associada a tratamentos sistêmicos inovadores em cabeça e pescoço, como a administração de Cetuximab”.
Aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2010, o Cetuximab é um anticorpo monoclonal, que age de forma mais direcionada – no caso, tendo como alvo o receptor do fator de crescimento epidérmico (EGFR), inibindo sua ativação e a consequente transmissão de sinal, o que resulta na redução da invasão dos tecidos normais pelas células malignas e da disseminação de tumores em novas áreas. O medicamento também inibe a capacidade de células malignas repararem o dano causado por quimioterapia ou radioterapia.
Os pesquisadores seguem buscando aprimorar a técnica de laser-indução de terapia térmica no ambulatório, inclusive para aplicação em tratamentos de outras doenças.
“Já demonstramos que o tratamento nas margens tumorais em pacientes com câncer avançado de cabeça e pescoço combinado com injeções locais de cisplatina e seguido de termoablação tumoral por LITT não é tóxico, melhora a qualidade de vida dos pacientes e é eficaz. A técnica pode ser aprimorada e beneficiar ainda mais pessoas. Por meio de uma fibra óptica conectada ao laser, por exemplo, poderemos ter acesso cirúrgico a qualquer lesão no corpo humano e, assim, aplicar um procedimento ambulatorial minimamente invasivo que diminui os custos no Sistema Único de Saúde (SUS)”, diz Paiva.