Karina Toledo | Agência FAPESP – Com o objetivo de desenvolver um plano científico e operacional para a Rede de Pesquisa sobre Zika Vírus em São Paulo – informalmente conhecida como Rede Zika –, cerca de 50 pesquisadores se reuniram na sede da FAPESP na última terça-feira (16/02).
No encontro, foram elencadas as perguntas científicas mais relevantes a serem respondidas por futuros projetos do grupo. Além disso, foi proposta a divisão da rede em subgrupos temáticos, para os quais serão definidos coordenadores a fim de facilitar a comunicação e o intercâmbio de resultados.
“A intenção é estruturar melhor a rede para que o trabalho de cada participante ajude os demais a avançar mais rapidamente. E também entender quais são as perguntas científicas prementes, para as quais o apoio tem de ser emergencial”, ressaltou Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP, na abertura da reunião.
Também estavam presentes os pró-reitores de pesquisa da Universidade de São Paulo (USP), José Eduardo Krieger, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Gláucia Pastore, e Universidade Estadual Paulista (Unesp), Maria José Giannini.
Um dos pontos mais destacados pelos pesquisadores foi a necessidade de desenvolver um exame sorológico capaz de identificar, em poucas horas, a presença de anticorpos contra o vírus Zika em amostras de sangue. Esse tipo de teste é capaz de mostrar se um indivíduo já foi infectado pelo vírus mesmo após passada a fase aguda da doença. Os testes sorológicos hoje disponíveis podem dar um resultado falso-positivo caso o indivíduo já tenha sido infectado pelo vírus da dengue, pertencente à mesma família dos flavivírus.
Tal ferramenta, segundo os cientistas, é essencial para responder a outras questões estratégicas para qualquer plano de ação: qual é exatamente o tamanho da epidemia (discriminando casos de dengue e Zika com mais precisão, tanto dos surtos atuais como passados)? Qual é a porcentagem de gestantes no grupo de infectados? E, entre as gestantes, quantas terão bebês com problemas neurológicos decorrentes da infecção congênita?
Entre os membros da Rede Zika que estão trabalhando no desenvolvimento de métodos diagnósticos está Clarisse Machado, do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo (IMT-USP). Seu grupo já conseguiu avanços na realização de uma reação sorológica conhecida como Western-blot. “Identificamos um padrão específico do vírus Zika, sem cruzar com o vírus da dengue. Estamos num bom caminho, mas ainda trabalhamos com o antígeno bruto do vírus. O resultado deverá ficar melhor quando tivermos acesso a antígenos recombinantes, que são mais puros e mimetizam melhor as condições existentes no organismo”, comentou Machado.
Sintetizados artificialmente a partir de genes clonados, os antígenos recombinantes do vírus Zika – que poderão ser úteis para o desenvolvimento de vacinas e testes diagnósticos – têm sido um dos focos do Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, sob coordenação de Luís Carlos de Souza Ferreira.
Outros grupos já conseguiram fazer a identificação de anticorpos específicos contra o vírus Zika por um método conhecido como imunofluorescência, que embora seja útil no âmbito da pesquisa acadêmica não serve como método diagnóstico para a saúde pública, pois requer cultivo de células e o resultado demora cerca de sete dias para ficar pronto.
Testes moleculares do tipo PCR em tempo real, capazes de diagnosticar em poucas horas o DNA do vírus em secreções corporais na fase aguda da doença, já foram desenvolvidos por diversas equipes da rede, entre elas a da professora Clarice Arns, da Unicamp, de José Eduardo Levi, da Fundação Pró-Sangue/Hemocentro de São Paulo, e também a de Machado, no IMT-USP.
“Os testes de PCR já estão funcionando muito bem. Com essa metodologia conseguimos, por exemplo, identificar o primeiro caso de transmissão por transfusão sanguínea ocorrido em Campinas. No entanto, eles não são capazes de identificar uma pessoa que já teve a doença após passada a fase aguda”, contou a pesquisadora.
“Nós temos apenas fragmentos de informação e precisamos montar o todo. Qual é o tamanho dessa epidemia? Enquanto não respondermos esta pergunta, todo o resto vai ser um trabalho deducionista”, disse Eduardo Massad, pesquisador da Faculdade de Medicina da USP que vem trabalhando com modelos matemáticos para tentar estimar os impactos da epidemia no Estado de São Paulo e no país.
Aspectos clínicos, imunológicos e genéticos
Luiz Tadeu Moraes Figueiredo, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP), e Magda Carneiro Sampaio, do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da USP, disseram que, por se tratar de uma infecção congênita ainda desconhecida, são necessários estudos clínicos, com um componente assistencial, para melhor caracterização dos sinais e sintomas e para entender, por exemplo, por quanto tempo o organismo excreta o vírus e se há transmissão via leite materno.
“Também precisamos estudar as características imunológicas das gestantes, pois influenciam na excreção do vírus e no potencial de infecção no feto”, explicou Magda.
Na avaliação do pediatra Antonio Condino Neto, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB-USP), entender a relação entre o perfil genético dos bebês e a resposta imune desencadeada pelo vírus pode alavancar estratégias para o desenho de tratamentos e de uma vacina.
Mayana Zatz, coordenadora do Centro de Pesquisas sobre o Genoma Humano e Células-tronco (CEGH-CEL), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) apoiados pela FAPESP, ressaltou a necessidade de descobrir se há fatores genéticos que podem tornar os bebês mais suscetíveis a sofrer danos neurológicos após a infecção pelo vírus Zika, bem como identificar marcadores que indiquem os indivíduos com propensão a desenvolver quadros mais graves da doença.
“Estamos acompanhando casos de gêmeos de mães infectadas pelo Zika em que apenas um dos irmãos nasceu com microcefalia.
É preciso estudar os casos (de microcefalia) já confirmados para descartar se não são resultados de outras alterações genéticas não relacionadas ao vírus”, avaliou Zatz.
Modelos animais, estudos epidemiológicos e análise do vetor
O uso de modelos animais para entender como o vírus afeta o tecido nervoso tem sido o foco da equipe do ICB-USP coordenada por Jean Pierre Peron. Além de investigar se a infecção em roedores prenhes é capaz de causar na prole um quadro semelhante à microcefalia, o grupo tenta averiguar em quais órgãos o vírus fica albergado, analisando os tecidos com exames do tipo PCR.
Maurício Lacerda Nogueira, professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), afirmou que boa parte das perguntas apontadas pelos demais pesquisadores poderá ser respondidas por meio de estudos epidemiológicos de campo (coorte), no qual uma determinada população é acompanhada por períodos longos para se observar o desfecho.
“Já confirmamos casos de Zika em São José do Rio Preto e também em Ribeirão Preto. Este é o momento de iniciarmos esse tipo de estudo com populações de gestantes no Estado de São Paulo. É preciso tomar a decisão agora. Se esperarmos dois meses, será tarde e perderemos a oportunidade, como aconteceu na Região Nordeste”, avaliou.
Nogueira já vinha coordenando desde meados de 2015 um cujo objetivo é fazer o estudo epidemiológico da dengue. Para isso, vem sendo acompanhada uma coorte de 2 mil pessoas em um bairro de São José do Rio Preto.
“É um trabalho bem complexo e vai responder uma série de perguntas que originalmente tínhamos feito sobre a dengue e agora também incluímos aspectos de Zika e chikungunya. Estamos estudando o vetor na região para ver quantos mosquitos estão infectados, a dispersão espacial e temporal do mosquito e a sua relação com o número de casos, identificando a quantidade de casos sintomáticos e assintomáticos, o número de casos graves, estudando a genética dos vírus e da população em busca de marcadores de suscetibilidade ou resistência, entre outros fatores”, contou.
No hospital da Faculdade de Medicina de Jundiaí, o professor Saulo Passos inicia nos próximos dias o acompanhamento de uma coorte de 300 gestantes consideradas de alto risco para observar se ocorrerá infecção pelo vírus Zika e qual será o desfecho. “Estamos recrutando e treinando cerca de 30 voluntários para fazer o acompanhamento dessas mulheres até o fim da gestação e, depois, o seguimento por mais dois anos”, contou.
No grupo de cientistas dedicados a estudar o mosquito vetor, ao qual pertencem Jayme Souza Neto (Unesp de Botucatu), Lincoln Suesdek (Instituto Butantan) e Margareth Capurro (ICB-USP), entre outros, foi destacada a necessidade de estudos sobre a interação entre o Aedes aegypti e o vírus Zika, para entender se a dinâmica de transmissão se assemelha à do vírus da dengue. Ressaltaram ainda a importância de estudar a competência da espécie Aedes albopictus para disseminar o vírus.
Além dos pesquisadores que integram a Rede Zika desde seu início, em dezembro de 2015, novos possíveis colaboradores participaram da reunião. A professora do Instituto de Psicologia da USP Dora Fix Ventura ressaltou que seu laboratório tem condições de avaliar bebês nascidos de mães acometidas pelo vírus Zika, a fim de identificar precocemente alterações visuais e neurocognitivas e entender as repercussões funcionais da infecção congênita.
Daniel Martins de Souza, da Unicamp, afirmou que estudos de proteômica – a tônica em seu laboratório – podem ajudar a identificar as vias bioquímicas e as proteínas alteradas no tecido nervoso de bebês vítimas da infecção congênita, apontando possíveis alvos terapêuticos.
Gestão da pesquisa
A necessidade de formalizar uma estrutura institucional para a Rede Zika, com a criação de um comitê científico, um comitê executivo e a escolha de um coordenador e subcoordenadores, foi ressaltada durante o encontro pelos pró-reitores de pesquisa das universidades estaduais.
“Há uma grande preocupação dos gestores e financiadores de pesquisa em relação a como aproveitar essa oportunidade. Sabemos que existe no Estado de São Paulo um estoque de conhecimento, uma boa massa crítica, e o que queremos saber agora é como melhor articular essa massa. É fundamental para isso que tenhamos um plano científico, saibamos qual é o problema e como vai ser tratado”, afirmou Krieger, da USP.
Krieger destacou ainda a necessidade de ter uma pessoa responsável por fazer a interlocução entre academia e setor de saúde pública – tanto em nível estadual como federal –, bem como a interlocução com a sociedade.
“É um momento único que estamos vivendo. Não é comum no Brasil haver uma integração de esforços científicos em torno de um objetivo tão claro como esse. Mas é preciso uma integração sem vaidades. Colocar nosso conhecimento a serviço dessa causa”, afirmou Pastore, da Unicamp.
Giannini, da Unesp, também classificou o momento atual como “histórico” e avaliou ser uma oportunidade de mostrar que as universidades e institutos de pesquisa fazem a diferença no Estado de São Paulo. “Foram anos de pesquisa nas universidades e anos de investimento de instituições como a FAPESP para que possamos estar hoje com a competência necessária para formar esta rede”.