Evanildo da Silveira | Revista Pesquisa FAPESP – Sono, cansaço e distração ao volante – além de embriaguez e excesso de velocidade – estão entre as principais causas de acidentes de trânsito, que todos os anos levam à morte cerca de 42 mil pessoas no Brasil, de acordo com o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) coordenado pelo Ministério da Saúde.
É um fenômeno global, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), que contabilizou 1,2 milhão de pessoas mortas a cada ano em acidentes de trânsito. No Relatório de Situação Global sobre a Segurança Rodoviária de 2015, a OMS, citando dados do SIM para o Brasil, indica que do total de mortes em acidentes automobilísticos 5% eram de motoristas de carros, 18% de passageiros desses veículos, 1% de passageiros e motoristas de ônibus, 2% de passageiros e motoristas de caminhões, 28% de motociclistas, 20% de pedestres e 23% outros, sem especificação.
Com tamanho problema, são sempre bem-vindas tecnologias que possam de alguma forma reduzir esses números. No Brasil, duas delas estão em desenvolvimento para tentar diminuir pelo menos os acidentes entre motoristas de caminhões e ônibus, causados por sono, cansaço ou distração.
A primeira é uma poltrona antissono, criada pelas empresas Marcopolo, TWE e Centro Multidisciplinar de Sonolência e Acidentes (Cemsa) que tenciona diminuir a fadiga do profissional e evitar que ele durma enquanto dirige. A outra, da Vale, é um dispositivo, chamado Brain Computer Interface (BCI), capaz de captar ondas elétricas do cérebro e, com isso, prever ações que um motorista de caminhão nas minas da empresa e, no futuro, em veículos pesados que trafegam em estradas, ou ainda maquinista de um trem irá tomar – como frear, por exemplo – e realizá-las antes que o condutor tome a iniciativa.
A cadeira de motorista da Marcopolo, fabricante de carrocerias de ônibus, chamada Antisleep Seat, foi criada pela empresa em seu Innovation Center (MIC), localizado em Caxias do Sul (RS), em parceria com o Cemsa, de Belo Horizonte, e a companhia TWE, pertencente ao grupo canadense Woodbridge, fabricante da espuma moldada da poltrona. O Cemsa foi criado pelo especialista em distúrbios do sono e responsável pelo projeto da cadeira, Marco Tulio de Mello. “É uma empresa de pesquisa e o nosso objetivo é oferecer suporte a empresas no gerenciamento do risco de fadiga dos seus funcionários.”
A poltrona é equipada com quatro dispositivos – assento vibratório, manta térmica de aquecimento, ventiladores e alto-falantes para mensagens –, que atuam nos momentos de fadiga e sonolência do motorista com o objetivo de mantê-lo alerta. Os comandos da cadeira são acionados por um aplicativo de celular, desenvolvido pelo Cemsa, que se comunica com a poltrona por bluetooth.
Além de novas tecnologias, uma outra maneira de tentar reduzir o número de acidentes e mortes no trânsito é examinar o motorista para saber se ele está usando drogas. Em março de 2016 entrou em vigor a Lei nº 13.103, de 2015, que obriga condutores profissionais de vans, caminhões e ônibus a fazer teste toxicológico sempre que vão renovar a carteira de habilitação, mudam de categoria, são admitidos ou são desligados de uma empresa.
Feito a partir de uma amostra de cabelo ou unha, o exame é capaz de detectar o uso de drogas como, por exemplo, cocaína, crack, heroína, maconha e anfetaminas, nos 90 dias anteriores ao teste. A lei é aplicada e fiscalizada pelos departamentos de trânsito de cada estado, no momento em que os motoristas atualizam seus documentos. “O consumo de álcool e outras substâncias psicoativas é cada vez mais comum entre esses profissionais”, diz o psicólogo Lúcio Garcia de Oliveira, do Departamento de Medicina Legal, Ética Médica e Medicina Social e do Trabalho da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP). Em fevereiro deste ano ele concluiu um estudo sobre os efeitos do uso múltiplo de drogas sobre o sono de motoristas de caminhão no Estado de São Paulo. A pesquisa contou com , no âmbito do Programa Jovem Pesquisador.
Na pesquisa, que começou em 2012, Oliveira ouviu 684 motoristas. “Constatamos que, nos 30 dias anteriores à entrevista, 67,3% dos participantes haviam usado álcool, 34,6% de forma pesada, 26% como binge drinking [consumo episódico, excessivo, de uma grande quantidade de bebidas alcoólicas em um curto período de tempo] e 9,2% estavam sob o risco de desenvolver dependência”, conta Oliveira. “Além disso, 54,6% deles relataram o uso múltiplo de álcool e outras drogas. Nessa população, o consumo foi mais pesado, caracterizado pela adição de cinco doses, em relação àqueles que ingeriram apenas uma dose.”
Lei a íntegra da reportagem publicada na Revista Pesquisa FAPESP em .