Karina Toledo | Agência FAPESP – Pais que exigem o cumprimento de regras e que monitoram constantemente as atividades dos filhos – buscando saber onde estão, com quem e o que fazem – correm menor risco de enfrentar problemas relacionados ao abuso de álcool e de outras drogas quando as crianças entram na adolescência.
A probabilidade torna-se ainda menor quando, além de monitorar e cobrar, os pais também abrem espaço para o diálogo, explicam o motivo das regras e se mostram presentes no dia a dia dos filhos, dispostos a acolher suas dificuldades – característica parental que especialistas chamam de “responsividade”.
A conclusão é de uma pesquisa realizada na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) com 6.381 jovens de seis cidades brasileiras. Os resultados acabam de ser publicados na revista .
“A principal conclusão do estudo é que o estilo parental, ou seja, o modo como os pais educam seus filhos, pode ser um fator de proteção ou de risco para o consumo de álcool e outras drogas na adolescência. Isso significa que os programas escolares de prevenção devem, além de conscientizar as crianças, também se preocupar em treinar habilidades parentais”, disse Zila Sanchez, professora da Escola Paulista de Medicina (EPM-Unifesp) e coordenadora da pesquisa .
Os dados foram coletados em 62 escolas públicas das cidades de Tubarão (SC), Florianópolis (SC), São Paulo (SP), São Bernardo do Campo (SP), Fortaleza (CE) e Brasília (DF). Participaram do levantamento estudantes de 7º e 8º anos do ensino fundamental. A idade média dos entrevistados foi de 12,5 anos.
“Optamos por trabalhar com jovens que haviam acabado de entrar na adolescência para avaliar se, nessa fase, o estilo parental já estava influenciando o consumo de substâncias. Entretanto, como ainda são muito jovens, a prevalência de consumo ainda é baixa. Por esse motivo, consideramos no questionário quem havia feito uso ao menos uma vez no último ano”, explicou Sanchez.
Os questionários foram preenchidos pelos próprios adolescentes, sem a presença do professor, e depositados anonimamente em envelopes pardos – de modo a evitar inibição e constrangimento. Além de perguntas sobre o uso de drogas, também foram incluídas questões sobre o estilo parental (como os jovens percebiam os pais), condições socioeconômicas, comportamento sexual e violência escolar, entre outras.
A análise das respostas foi feita durante o doutorado de Juliana Valente, com e orientação de Sanchez.
Por meio de um modelo estatístico conhecido como análise de classes latentes, foi possível dividir os entrevistados em três grupos de uso de drogas. A mais prevalente, com 81,54%, foi a classe dos “abstinentes/usuários leves”. Em seguida, com 16,65%, vieram aqueles considerados “usuários de álcool/bebedores pesados”. Por último, com 1,8%, os “poliusuários”, ou seja, aqueles que, além de álcool, usaram no último ano substâncias como tabaco, maconha, cocaína, crack ou inalantes (benzina e cola de sapateiro, por exemplo).
“O passo seguinte foi avaliar se os estilos parentais estavam associados a algum desses três perfis de consumo. Para isso, os pais também foram classificados em quatro tipos diferentes – segundo a avaliação dos adolescentes e critérios estabelecidos na literatura científica”, explicou Sanchez.
Com base em uma escala de avaliação consagrada em estudos internacionais e validada no Brasil, os perfis parentais foram classificados de acordo com dois domínios principais: “exigência” – o quanto os pais monitoram as atividades dos filhos e demandam o cumprimento de regras – e “responsividade” – o quanto são sensíveis às demandas dos filhos e abertos ao diálogo.
Pais com escore alto nos dois domínios foram classificados como “autoritativos”. Aqueles com escore alto apenas no domínio da exigência foram classificados como “autoritários”. Pais responsivos, mas que não monitoram as atividades dos filhos ou não se apegam a regras foram considerados “indulgentes”. Por último, aqueles com escore baixo nos dois domínios foram classificados como “negligentes”.
De modo semelhante ao observado em estudos internacionais, o estilo “autoritativo” foi o mais protetor, seguido pelo “autoritário” e, na sequência, pelo “indulgente”. Como ressaltaram os pesquisadores no artigo, os pais “negligentes” são os que colocam os adolescentes em maior risco de pertencer às duas classes de usuários de drogas encontradas no estudo: usuários de álcool/bebedores pesados e poliusuários.
“O fato de o ‘autoritativo’ ser o mais protetor e o ‘negligente’ o de maior risco já era esperado. Porém, ainda havia na literatura científica uma discussão em relação aos estilos ‘autoritário’ e ‘indulgente’. Não estava claro qual deles seria melhor. Os achados deste estudo reforçam a função protetora que a dimensão da exigência, composta por monitoramento parental e estímulo ao cumprimento de regra, desempenha na prevenção do consumo de drogas na adolescência”, disse Valente.
Ricos bebem mais
Um dado que chamou a atenção do grupo da Unifesp foi que, quanto mais alta era a classe social do entrevistado, maior era a probabilidade de pertencer aos grupos de bebedores pesados ou poliusuários. De acordo com Sanchez, o achado contraria dados de estudos norte-americanos e europeus, onde a pobreza é considerada um fator de risco para o uso de álcool e drogas na adolescência. Porém, vai ao encontro de dados brasileiros anteriores para a mesma faixa etária.
“Esse dado é bem curioso e mostra que não podemos simplesmente importar dados relacionados a fatores de risco e proteção para programas de prevenção de uso de drogas, sem considerar diferenças culturais”, disse Sanchez.
Segundo Valente, as análises estatísticas não permitiram associar os diferentes modelos de educação a uma classe social específica, ou seja, houve uma distribuição homogênea dos estilos parentais entre as diferentes faixas de renda.
A coleta dos dados ocorreu no fim de 2014, no âmbito de um projeto financiado pelo Ministério da Saúde. A equipe da Unifesp foi escalada pelo órgão governamental para avaliar nas 62 escolas selecionadas a efetividade de um programa de prevenção ao uso de drogas intitulado #Tamojunto.
“Esse programa foi trazido da Europa, onde apresentou bons resultados, e adaptado pelo Ministério da Saúde. Além de passar conhecimentos sobre as drogas para os jovens, buscava trabalhar o desenvolvimento de habilidades pessoais e interpessoais. Porém, aqui no Brasil, não observamos efetividade para as mesmas medidas europeias”, contou Valente.
Como explicou Sanchez, os dados analisados durante o doutorado de Valente, que embasam o artigo agora publicado, foram coletados antes da aplicação do programa #Tamojunto e não têm relação com seus resultados.
O artigo Gradient of association between parenting styles and patterns of drug use in adolescence: A latent class analysis, de Juliana Y.Valente, Hugo Cogo-Moreira e Zila M. Sanchez, pode ser lido em.