Karina Toledo | Agência FAPESP – A fototerapia com laser de baixa intensidade tem sido apontada por estudos recentes como uma alternativa não invasiva e eficaz no combate à dor neuropática – sensação dolorosa crônica que pode ser decorrente de lesões nos nervos, na medula ou de doenças como diabetes.
Três estudos recentes conduzidos no Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) ajudam a elucidar os mecanismos por trás do efeito terapêutico induzido pelo laser. A investigação tem sido feita no âmbito de um e coordenado pela professora Marucia Chacur.
“Testamos a fototerapia em diferentes modelos de neuropatia em ratos e em todos houve melhora na resposta comportamental. Um dos efeitos benéficos observados foi a recuperação da bainha de mielina – uma camada lipídica que recobre os neurônios e atua como isolante elétrico, auxiliando na propagação dos impulsos nervosos”, contou Chacur em entrevista à Agência FAPESP.
Em um trabalho na revista Lasers in Medical Science, em janeiro, o tratamento foi testado em um modelo de neuropatia diabética, uma das complicações crônicas mais comuns e incapacitantes do diabetes. O problema ocorre quando a doença não é adequadamente controlada e o excesso de glicose no sangue causa a oxidação da bainha de mielina e lesiona a estrutura de nervos periféricos. Além de causar dor, esse processo degenerativo prejudica a comunicação entre os neurônios e pode até levar à amputação de membros.
Para induzir uma condição semelhante ao diabetes tipo 1, os pesquisadores injetaram nos animais uma substância conhecida como estreptozotocina (STZ), que destrói as células beta do pâncreas responsáveis pela produção de insulina. Nesse modelo, em cerca de uma semana o animal torna-se diabético. O experimento foi realizado durante o de Igor Rafael Correia Rocha, bolsista da FAPESP.
“Iniciamos o tratamento com laser de 904 nanômetros – capaz de atingir tecidos profundos – após 45 dias, quando o quadro neuropático já estava bem padronizado e já havia se tornado crônico”, contou Chacur.
O grau de dor nos roedores foi avaliado antes e após o início do tratamento por meio de testes comportamentais, como o de filamentos de von Frey – um conjunto de fios de náilon, com espessuras variadas, que são pressionados sobre a pata do animal. Cada filamento representa uma força em gramas e indica o grau de pressão que o animal consegue suportar antes de demonstrar desconforto. Há ainda testes semelhantes com estímulos térmicos e mecânicos.
“Nossa ideia é depois aplicar em humanos, então adotamos protocolos terapêuticos semelhantes. Planejamos inicialmente 10 sessões de fototerapia a cada dois dias, sendo cada uma de 1 minuto sobre a região da coxa. Mas observamos melhora logo após a quarta sessão. Então sacrificamos o animal para analisar o nervo ciático”, contou a pesquisadora.
Com o auxílio de um microscópio eletrônico de transmissão, os pesquisadores observaram que à medida que o diabetes avançou, a camada de mielina que recobre o nervo ciático teve sua estrutura alterada. Após as quatro sessões de fototerapia, porém, a recuperação da mielina foi praticamente total.
“A condição do nervo praticamente voltou a níveis basais com o tratamento. Agora seguimos o estudo, analisando expressão de proteínas e liberação de citocinas inflamatórias para entender o que exatamente está ocorrendo”, disse Chacur.
Nervo comprimido
Em outro trabalho realizado durante o de Mara Evany de Oliveira Silva e na revista Photochemical & Photobiological Sciences, o foco do tratamento também foi o ciático. Nesse caso, porém, a lesão foi induzida pela compressão do nervo – simulando o que ocorre com pacientes que sofrem de desvios na coluna, como hérnia de disco.
“O nervo é amarrado e permanece comprimido durante duas semanas, até que a lesão se torna crônica. E então iniciamos a fototerapia no 14° dia. Observamos melhora no comportamento logo após a segunda sessão, que se manteve até o final do tratamento”, contou a pesquisadora.
Após a décima sessão de fototerapia, os animais foram sacrificados para análise do gânglio da raiz dorsal – região próxima à medula espinhal que contém corpos de células nervosas – por onde passam as informações sensitivas e motoras.
Por meio de uma metodologia conhecida como imuno-histoquímica, os pesquisadores quantificaram no local a presença de astrócitos – um tipo de célula nervosa bastante envolvido em respostas inflamatórias.
“Quando há uma lesão nervosa ou um processo inflamatório, as células gliais migram para o local. Eles são como uma espécie de macrófago do sistema nervoso central, ou seja, são a primeira linha de defesa”, explicou Chacur.
As análises mostraram que nos animais tratados com laser havia uma quantidade reduzida de astrócitos (um tipo de célula da glia) em comparação aos ratos não tratados.
“Essas células liberam diversos mediadores inflamatórios, como interleucina-1 (IL1), fator de necrose tumoral-alfa (TNF-?) e glutamato. Esses mediadores, por sua vez, levam à liberação de outras substâncias inflamatórias. Imaginamos que, ao reduzir a migração de astrócitos para o local da lesão, o laser interfere nesse processo em cascata, como um medicamento anti-inflamatório”, disse Chacur.
O passo seguinte da investigação, adiantou a pesquisadora, será avaliar a concentração de cada uma das substâncias inflamatórias separadamente.
O terceiro modelo em que o tratamento foi testado foi o de dor orofacial, no qual a lesão é induzida por um esmagamento do nervo alveolar inferior – um dos ramos do nervo trigêmeo responsável por inervar toda a face.
“Esse tipo de lesão pode ocorrer, por exemplo, durante o processo de extração do dente do siso. Muitos dentistas têm adotado o laser para reduzir a dor em seus pacientes”, afirmou Chacur.
A fototerapia foi iniciada dois dias após a lesão do nervo. A melhora no comportamento doloroso relacionado à lesão do nervo foi observada após duas sessões e se manteve ao longo de todo o tratamento – que incluiu 10 sessões, sendo uma a cada dois dias.
Os animais foram então sacrificados e a presença de diversas proteínas no tecido tratado foi analisada por uma técnica conhecida como Western blot.
“Notamos que a aplicação do laser de baixa intensidade modulou a expressão de mediadores inflamatórios e neuropeptídeos que contribuem para o desenvolvimento de uma resposta dolorosa por meio da sensibilização dos neurônios nociceptivos trigeminais. Muitos estudos têm relatado que o aumento da liberação do peptídeo relacionado com o gene da calcitonina [CGRP] e substância P [SP] nos terminais do nervo trigeminal contribui para o desenvolvimento de hiperalgesia periférica. Em nosso modelo, vimos que esse quadro foi revertido nos animais que receberam o protocolo de laser terapia. Esses achados podem impactar na melhora dos protocolos já existentes usando laser de baixa intensidade”, disse a pesquisadora.
O trabalho foi conduzido durante o de Daniel de Oliveira Martins, bolsista da FAPESP. Os resultados serão publicados em breve no Journal of Biological Regulators & Homeostatic Agents.
“Nós buscamos entender os mecanismos e mediadores envolvidos porque acreditamos que a fototerapia pode ser usada em associação a tratamentos farmacológicos, atuando em vias distintas. Dessa forma talvez seja possível reduzir a dose do medicamento e, consequentemente, os efeitos sistêmicos do tratamento”, disse Chacur.
Segundo a pesquisadora, os resultados sugerem que nos três modelos de dor neuropática estudados há um mecanismo comum, que envolve regeneração da bainha de mielina e a redução na migração de astrócitos para o local da lesão.
“Evidências da literatura sugerem ainda um efeito sobre as mitocôndrias. O laser facilitaria o fluxo de cálcio na organela, aumentando a produção de ATP [adenosina trifosfato, o combustível celular] e levando a uma melhora na cicatrização e na liberação de mediadores que auxiliam no remodelamento. Pretendemos nos estudos futuros investigar melhor esse efeito sobre as mitocôndrias”, concluiu a pesquisadora.