Karina Toledo | Agência FAPESP – Controlar o consumo de calorias no dia a dia é uma forma comprovada de evitar não só a obesidade como também diversas complicações relacionadas à idade, como diabetes, doenças do coração e do cérebro. Trata-se, portanto, de uma estratégia eficaz para aumentar a longevidade. Em um laboratório sediado no Instituto de Química (IQ) da Universidade de São Paulo (USP), um grupo coordenado pela professora Alicia Kowaltowski investiga, em modelos animais, os mecanismos moleculares desencadeados pela intervenção dietética que resultam na melhora do funcionamento de órgãos importantes para o metabolismo, como pâncreas, fígado e até mesmo o cérebro.
“Dizer para as pessoas simplesmente comerem menos não está funcionando. A obesidade se tornou uma epidemia mundial. Temos tentado entender como a restrição calórica age no organismo e quais são as moléculas envolvidas, para encontrar alvos que permitam prevenir ou tratar doenças relacionadas ao ganho de peso e à idade”, disse Kowaltowski, que integra a equipe do Centro de Pesquisa em Processos Redox em Biomedicina () – um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) da FAPESP.
De acordo com Kowaltowski, os experimentos realizados até o momento mostraram que a restrição calórica em animais de laboratório causa efeitos muito específicos nos diferentes órgãos. No pâncreas, por exemplo, torna as células produtoras de insulina capazes de responder melhor ao aumento na taxa de glicose do sangue.
Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores realizaram testes com culturas de células beta – que ficam nas ilhotas pancreáticas e são responsáveis pela produção de insulina. Em vez de nutrir as células cultivadas in vitro com soro sanguíneo comercial, como de costume, foi usado material extraído de dois grupos de ratos submetidos a diferentes dietas.
O grupo controle se alimentou à vontade durante as 26 semanas anteriores ao experimento e se tornou obeso, como normalmente ocorre em casos com confinamento. Os outros animais foram submetidos durante o mesmo período a uma dieta com cerca de 60% das calorias em média consumidas pelos roedores liberados para comer sem restrições.
“A secreção de insulina pelas células beta deve ser pequena em uma condição de baixa glicose e aumentar em uma condição de glicose elevada. E isso de fato acontece com as células tratadas com o soro dos animais submetidos à restrição calórica, mas não com as que receberam o soro de animais obesos. Há algum fator circulante no sangue que modifica de forma aguda o funcionamento das células beta e essa pode ser uma das alterações que acontecem no diabetes tipo 2”, disse Kowaltowski.
Como a secreção de insulina depende da disponibilidade de ATP (adenosina trifosfato, molécula que armazena energia) na célula, os pesquisadores levantaram a hipótese de que o fenômeno observado estaria relacionado com as mitocôndrias – as “usinas” de energia das células.
“Ao medirmos o consumo de oxigênio pelos dois grupos de células, observamos que ele estava diferente. A respiração – que é a responsável pela liberação de insulina quando temos alta de glicose – é maior nas células que receberam o soro dos animais submetidos à restrição calórica. Essas células, portanto, geram mais ATP diante da alta na taxa de glicose”, contou a pesquisadora.
Por meio de experimentos com corantes fotossensíveis, o grupo descobriu que as mitocôndrias das células tratadas com o soro dos animais submetidos à restrição calórica trocavam mais material genético entre si e, de algum modo, isso as tornava mais eficientes.
“As mitocôndrias não são organelas estáticas e nem sempre têm aquele formato de amendoim que vemos nos livros. Estão continuamente se fundindo [duas viram uma só] e se dividindo [uma dá origem a duas] e isso é importante para remover organelas que não estão funcionando adequadamente e também para trocar enzimas e DNA”, explicou Kowaltowski.
Para confirmar que o intercâmbio de material mitocondrial seria a causa primordial na diferença observada na produção de insulina, o grupo repetiu o experimento com o soro dos dois grupos de animais – mas desta vez usando células beta incapazes de produzir a proteína mitofusina-2 (Mfn-2), importante no processo de fusão mitocondrial.
Como esperado, tanto as células que receberam o soro dos animais obesos quanto as que receberam soro dos animais submetido à restrição passaram a responder mal ao aumento na taxa de glicose, ou seja, a restrição calórica perdeu o efeito protetor sobre o pâncreas. Os resultados foram no The FEBS Journal, da Federation of European Biochemical Societies. O trabalho contou com a participação central de Fernanda Cerqueira, e, atualmente, pesquisadora da Boston University, nos Estados Unidos.
“Basicamente, o que estamos propondo é que existe um fator circulando no sangue dos animais submetidos à restrição calórica que é o responsável por esse efeito no funcionamento mitocondrial das células beta. Mas ainda não sabemos que fator é esse. Serão necessários novos estudos”, disse Kowaltowski.
Resultados da pesquisa foram apresentados por Kowaltowski no dia 18 de maio durante o , realizado no Expo Center Norte durante a Feira+Fórum Hospitalar 2017. O evento foi organizado no âmbito de um acordo firmado entre a FAPESP e a Organização Holandesa para a Pesquisa Científica (NWO) para fomentar a cooperação científica e tecnológica entre pesquisadores da Holanda e de São Paulo.
Em um , com participação do Ignacio Amigo, o grupo mostrou que uma redução de 40% nas calorias da dieta dos roedores aumenta a capacidade da mitocôndria de captar cálcio em algumas situações nas quais o nível desse mineral no meio celular encontra-se patologicamente elevado. No cérebro, isso pode ajudar a evitar a morte de neurônios associada a doenças como Alzheimer, Parkinson, epilepsia e acidente vascular cerebral (AVC), entre outras.
Atualmente, o doutorando Sergio Menezes investiga o efeito da restrição calórica no fígado, onde o cálcio também atua como sinalizador celular. “Observamos o mesmo efeito: no contexto de restrição calórica, as mitocôndrias conseguem captar mais cálcio e, nos experimentos com animais, isso protegeu as células contra os danos causados por isquemia. A mitocôndria parece ser, de fato, o segredo para o envelhecimento saudável”, disse Kowaltowski.
Novo programa de pesquisa
Durante a abertura do Workshop Healthy Ageing Opportunities, o diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, lembrou que desde 2012 a Fundação mantém com a NWO um acordo que possibilita o financiamento conjunto de projetos de pesquisa que reúnem pesquisadores paulistas e holandeses.
“A ideia desta sessão é mostrar resultados recentes obtidos tanto aqui em São Paulo como na Holanda nesse tema tão importante que é o envelhecimento saudável”, disse.
Ruben Sharpe, responsável pelas políticas da NWO, afirmou que esperava com o evento atrair as fundações para um novo programa de pesquisa conjunto. “Um programa para continuar a gerar conhecimento sobre este importante tópico e para construir uma rede duradoura, para que possamos usar esse conhecimento em ambos os países.”
“Aqui no Brasil, assim como na Holanda, a população está envelhecendo. A expectativa de vida na última década aumentou bastante e ficamos ativos por mais tempo. Portanto, quando olhamos a colaboração científica entre os dois países este é um dos principais tópicos”, ressaltou Bas van den Dungen, vice-ministro da Saúde no Ministério Holandês de Saúde, Bem-Estar e Esporte.
Carlos Eduardo Negrão, membro da coordenação adjunta de Ciências da Vida da FAPESP, observou que os recentes avanços nas ciências da saúde, como novos métodos diagnósticos e medicamentos, melhoraram o tratamento de doenças com grande impacto na longevidade. “No entanto, esses avanços não necessariamente representam uma melhora na qualidade de vida. O envelhecimento saudável é um dos maiores desafios atuais”, avaliou.
Entre os palestrantes estavam a professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Claudia Bauzer e Albert Mons, da Dutch Techcenter for Life Sciences, que abordaram os desafios e oportunidades do uso de big data em pesquisa na área da saúde.
Iscia Lopes Cendes, também da Unicamp, apresentou dados da Brazilian Initiative on Precision Medicine (BIPMed), que criou o primeiro banco público de dados genômicos da América Latina.
Também participaram das discussões os holandeses Wilco Achterberg, do Leiden University Medical Center, e Erik Boddeke, do University Medical Center Groningen.