Karina Toledo | Agência FAPESP – Um novo método para monitorar em tempo real a acumulação de nanopartículas magnéticas em órgãos como o fígado foi por pesquisadores brasileiros na revista Nanomedicine: Nanotechnology, Biology and Medicine.
Como explicam os autores, esse tipo de nanopartícula tem sido testado em modelos animais tanto no diagnóstico como no tratamento de diversas doenças, entre elas o câncer. Entre as possibilidades futuras está o uso como carreador de fármacos ou como agente de contraste em exames de ressonância magnética nuclear. Também é possível empregar o nanomaterial na avaliação da motilidade gastrointestinal e da função hepática e renal.
“Nosso trabalho pode auxiliar estudos em todas essas áreas, oferecendo uma ferramenta de baixo custo para detectar nanopartículas magnéticas in vivo. Seria para uso em modelos animais e, no futuro, também em humanos”, disse Caio César Quini, pesquisador do Departamento de Física e Biofísica do Instituto de Biociências (IBB) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu, e autor principal do artigo.
Conhecida como Biosusceptometria de Corrente Alternada (BAC), a técnica foi adaptada para o monitoramento de nanopartículas magnéticas no fígado durante o doutorado de Quini. A pesquisa teve e foi orientada pelo professor do IBB-Unesp José Ricardo de Arruda Miranda.
“O BAC funciona como um transformador de fluxo magnético. O equipamento é composto por duas bobinas de cobre e um sensor. A bobina de detecção [externa] gera um campo magnético que induz uma corrente na bobina de referência [interna]. Quando um material magnético se aproxima do sensor, ele muda a indução de uma bobina para outra e isso gera um sinal. A alteração de sinal varia de acordo com o tipo, a quantidade e a distância do material magnético e pode ser monitorada por um computador acoplado ao equipamento”, explicou Quini.
A sensibilidade do método in vivo foi testada em ratos pelo grupo da Unesp e colaboradores. Os animais foram anestesiados e colocados de barriga para cima sobre o sensor, posicionado na região do fígado. Em seguida, nanopartículas feitas de óxido de ferro com manganês e revestidas com citrato foram injetadas na veia femoral dos roedores. A síntese do nanomaterial magnético foi feita por meio de uma parceria com o pesquisador Andris Bakuzis, do Instituto de Física da Universidade Federal de Goiás (UFG).
“Observamos que o sinal do sistema BAC aumenta à medida que a concentração das nanopartículas se eleva no fígado. Depois de um tempo, começa a decair em decorrência da atividade dos macrófagos, células de defesa responsáveis por captar e degradar a substância estranha ao organismo. Com base nesses dados e em referências da literatura científica, criamos um modelo farmacocinético para descrever o acúmulo das nanopartículas no fígado ao longo do tempo”, contou Quini.
Os dados obtidos pelo sistema BAC foram comparados com os de outro equipamento conhecido como ressonância paramagnética eletrônica (EPR), capaz de quantificar o elemento ferro no organismo. A avaliação por EPR foi feita em colaboração com o grupo coordenado por Oswaldo Baffa no Departamento de Física da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP).
De acordo com Quini, não foi observada discrepância significativa nos parâmetros obtidos pelas duas técnicas, o que sugere que o sistema BAC apresenta boa sensibilidade para monitorar as nanopartículas in vivo.
“A única diferença é que o sinal obtido por EPR não decai à medida que as nanopartículas vão sendo degradadas pelos macrófagos, pois essa técnica quantifica o elemento ferro e não as nanopartículas em si”, explicou.
Ao final, os animais foram sacrificados e os órgãos removidos e liofilizados (transformados em pó) com o objetivo de quantificar o número de partículas em cada parte do corpo também usando o sistema BAC.
Técnica versátil
De acordo com Quini, atualmente, os métodos disponíveis para a quantificação de nanopartículas magnéticas em modelos animais são a ressonância magnética nuclear ou um tipo de tomografia conhecido como MPI (magnetic particle imaging), de uso ainda bastante restrito.
“Esses aparelhos custam na ordem dos milhões de reais, enquanto um equipamento de BAC pode ser construído com pouco mais de R$ 5 mil. Além de bem mais barato, é portátil e não requer o uso de radiação ionizante. A desvantagem do BAC é que, ao contrário dos métodos-padrão, ele não oferece imagens. Ao menos por enquanto”, disse Quini.
A equipe coordenada por Miranda na Unesp tem trabalhado, com , no desenvolvimento de novos arranjos para o sistema BAC.
“Criamos novas disposições para o equipamento, como multissensores para imagem magnética, tomografia por BAC, detectores de material magnético em tecidos e estudamos as diferentes aplicações desses arranjos”, contou o pesquisador.
No que se refere às nanopartículas magnéticas, acrescentou Miranda, os estudos vão desde o monitoramento em órgãos específicos, como fígado, rins ou sistema circulatório, até a biodistribuição no organismo como um todo.
“Também realizamos estudos de absorção via trato gastrointestinal e sistemas agregados, com o objetivo de saber o que ocorre com essas partículas quando entram em contato com o sangue”, contou Miranda.
Em outra linha de pesquisa, o grupo utiliza o sistema BAC para avaliar em diferentes contextos – como diabetes, colite e gravidez – a atividade de contração do estômago, intestino e cólon e o tempo de esvaziamento gástrico. Análises têm sido feitas em pacientes e em modelos animais.
O grupo também avalia a aplicação de BAC para monitorar formas farmacêuticas sólidas, como comprimidos e cápsulas, e avaliar mecanismos de liberação do princípio ativo in vivo.
O artigo “Real-time liver uptake and biodistribution of magnetic nanoparticles determined by AC biosusceptometry” pode ser lido em: .