Ricardo Zorzetto | Pesquisa FAPESP — Em agosto, o Brasil iniciou uma campanha de vacinação infantil em massa contra o sarampo e a poliomielite em meio a um quadro que causa apreensão. As taxas de imunização de crianças contra 17 doenças – entre elas o sarampo – atingiram em 2017 os níveis mais baixos em muitos anos.
O Ministério da Saúde e especialistas em imunologia, epidemiologia e saúde pública ouvidos pela reportagem enumeram nove razões para explicar a queda abrupta nos números. Os motivos vão da percepção enganosa de parte da população de que não é preciso vacinar porque as doenças desapareceram a problemas com o sistema informatizado de registro de vacinação. Todas são causas plausíveis e prováveis e possivelmente atuam em conjunto. Elas, porém, ainda não foram quantificadas, o que ajudaria a identificar e a executar ações complementares às campanhas de vacinação para resgatar os níveis de imunização elevados do passado.
Uma consequência da redução no número de crianças vacinadas se tornou evidente com o surto de sarampo em Roraima e no Amazonas. A taxa de cobertura da tríplice viral, que protege da doença e alcançava 96% das crianças em 2015, baixou para 84% em 2017 e abriu caminho para o retorno da infecção ao país.
Transmitido pelo ar, seu causador – um vírus do gênero Morbilivirus – provoca febre alta, mal-estar, tosse persistente, conjuntivite e deixa manchas vermelhas pelo corpo. Ele ataca as células do sistema imunológico e reduz por um período longo as defesas do organismo, favorecendo a ocorrência de infecções secundárias que podem matar. O vírus do sarampo havia sido eliminado do Brasil em 2016 e voltou agora via Venezuela. De fevereiro a 23 de julho, deixou 822 pessoas doentes – foram 272 casos em Roraima, 519 no Amazonas, 14 no Rio de Janeiro, 13 no Rio Grande do Sul, 2 no Pará, 1 em São Paulo e 1 em Rondônia – e causou cinco mortes.
O Ministério da Saúde reconhece a gravidade do problema. A socióloga e epidemiologista Carla Domingues, coordenadora-geral do Programa Nacional de Imunizações (PNI) do ministério, afirmou em um evento realizado em 26 de julho no Instituto de Infectologia Emílio Ribas, na cidade de São Paulo, que o surto atual de sarampo “evidencia nossas inadequadas coberturas vacinais e a urgente necessidade de melhorá-las”.
Além da queda na aplicação da tríplice viral, que também previne contra caxumba e rubéola, dados divulgados em junho pelo ministério mostraram redução importante em 2016 e 2017 na aplicação de outros nove imunizantes indicados para o primeiro ano de vida. Essas 10 vacinas estão disponíveis gratuitamente nas unidades do Sistema Único de Saúde (SUS) e protegem de 17 doenças causadas por vírus e bactérias que, até 40 anos atrás, matavam todo ano milhares de pessoas no Brasil ou deixavam parte com danos irreversíveis.
Após permanecer elevada por mais de uma década para alguns imunizantes, a cobertura de seis vacinas despencou de 18 a 21 pontos percentuais em 2017, em comparação com 2015. Como resultado, 23% dos quase 3 milhões de crianças que nasceram ou completaram 1 ano em 2017 não haviam recebido proteção completa contra o vírus da poliomielite, que pode provocar paralisia permanente nas pernas e nos braços.
Uma proporção semelhante ficou suscetível aos vírus das hepatites A e B, que lesam o fígado, e a bactérias associadas a infecções graves, como tétano, difteria, pertússis (coqueluche) e meningite. Só a vacina BCG, que estimula a produção de defesas contra bactérias que causam formas graves de tuberculose e é aplicada em dose única nas maternidades, atingiu os níveis de imunização recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A cobertura recomendada é de 90% para a BCG e a vacina contra o rotavírus, causador de diarreia severa. Para os demais imunizantes, é de 95%.
“É uma redução alarmante”, afirma o imunologista Jorge Kalil Filho, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e membro do Comitê Técnico Assessor em Imunizações (CTAI), órgão consultivo do ministério que avalia as estratégias do PNI e orienta mudanças no calendário vacinal.
“O programa brasileiro é um dos mais bem-sucedidos do mundo. É muito ruim para a imagem internacional do país deixar as taxas de cobertura, que eram próximas de 95%, caírem para cerca de 80%”, afirma o pediatra Alexander Precioso, diretor de ensaios clínicos e farmacovigilância do Instituto Butantan, uma das instituições que produzem no país vacinas, soros e outros compostos imunobiológicos.
Em entrevista à Pesquisa FAPESP em 13 de julho, Carla Domingues relatou que, além do sarampo, outra preocupação atual é o risco de retorno da poliomielite. “A notificação de um possível caso de paralisia causada pelo vírus da pólio na Venezuela em abril causou um susto”, contou. Exames posteriores descartaram, em princípio, o vírus como causador da paralisia em um garoto de 2 anos e 9 meses, segundo boletim de junho da Organização Pan-americana da Saúde (Opas).
Ainda assim, há motivos para inquietação. Os números do ministério indicam que a proporção de crianças brasileiras imunizadas em 2017 contra a poliomielite é a mais baixa desde 2000: em média, 77% delas receberam as três doses injetáveis indicadas para o primeiro ano de vida. “É um problema nacional. A meta de vacinação não foi alcançada em 22 das 27 unidades da federação”, afirma a coordenadora do PNI. Mais grave: 312 municípios brasileiros (44 paulistas) estavam com menos da metade das crianças imunizadas.
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