Karina Toledo | Agência FAPESP – A quantidade de informações depositadas no primeiro da América Latina cresceu quase 3.000% desde 2015, quando a plataforma foi lançada pela Brazilian Initiative on Precision Medicine () com apoio da FAPESP.
O repositório começou modesto, com dados obtidos por meio do sequenciamento completo do exoma (região do genoma responsável por codificar proteínas) de 29 pessoas de Campinas (SP) que representavam uma população local de referência, ou seja, não eram portadores de uma doença específica.
Atualmente, já são 878 registros, que incluem tanto a população referência de Campinas, ampliada para 350 indivíduos, como também pacientes com encefalopatia epiléptica, neurofibromatose, esclerose tuberosa, anomalias craniofaciais, hemoglobinopatias, surdez não sindrômica e portadores de mutações nos genes BRCA1 e BRCA2, associadas a alguns tipos de câncer hereditário, principalmente mama e ovário.
As novidades foram apresentadas durante o , realizado em Campinas no mês de abril.
“Em breve teremos dados de uma população referência de Ribeirão Preto, onde amostras de 50 indivíduos estão sendo sequenciadas por colaboradores da Universidade de São Paulo (USP), e também da capital paulista, onde uma equipe da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) está coletando amostras de 50 voluntários”, contou Iscia Lopes-Cendes, professora da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp) e membro do Comitê Diretivo da BIPMed.
Segundo a pesquisadora, grupos de dois outros estados também já se comprometeram a enviar dados de população referência – um da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e outro da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
“Estamos em contato com vários grupos fora de São Paulo e percebemos que há um interesse grande. Essas parcerias têm permitido à base de população referência da BIPMed crescer e ampliar sua cobertura geográfica. Isso tornará possível uma série de estudos comparando populações de diferentes regiões para ver quais são as diferenças e semelhanças do ponto de vista genômico – com implicações em termos de saúde pública”, comentou Cendes.
Esse campo de estudo vem sendo chamado de genômica de populações –uma evolução da genética de populações. Enquanto esta última consegue, por meio de marcadores tradicionais como grupo sanguíneo, traçar um esboço da ancestralidade de povos miscigenados como o brasileiro, a genômica de populações avança no nível mais essencial do DNA para descobrir em quais cromossomos estão alocadas as variantes genéticas herdadas de europeus, africanos e dos nativos americanos.
“Sabe-se, por exemplo, que os genes da população de Campinas têm origem 80% europeia. Mas é possível que um determinado gene de interesse para uma doença esteja situado em uma região de um cromossomo em que a maioria da população apresenta ancestralidade africana ou indígena. Por isso é importante estudar a ancestralidade local em vez da global, o que só é possível olhando marcadores de todo o genoma”, explicou Cendes.
Dados da BIPMed já estão sendo usados em pesquisas desse tipo. Na Unifesp, o pesquisador Marcelo Briones investiga fatores genéticos associados à capacidade de metabolização de toxinas e fármacos – o que faz a resposta individual a um tratamento medicamentoso variar fortemente na população. O objetivo é identificar, com base na ancestralidade local, pacientes que são maus metabolizadores ou supermetabolizadores para, desse modo, ajustar a dose farmacológica durante o tratamento.
Na Unicamp, Rodrigo Secolin estuda a ancestralidade local da população referência de Campinas para entender como determinadas regiões do genoma podem ter sido selecionadas por terem oferecido vantagem adaptativa em um passado relativamente recente.
Dados preliminares indicam que alguns desses genes selecionados hoje podem estar conferindo predisposição a doenças.
“Um deles está relacionado à síntese de glicogênio pelo fígado e ao metabolismo de glicose. É um gene de origem indígena que facilita o acúmulo de gordura – vantajoso em uma situação de escassez alimentar, mas que hoje pode predispor a doenças metabólicas.”
A programação do 5º Workshop da BIPMed contou com um curso sobre genômica de populações e com uma palestra do cientista espanhol David Comas, da Universitat Pompeu Fabra, em Barcelona.
Portal latino-americano
A BIPMed foi articulada em 2015 por integrantes de cinco Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão () da FAPESP com o objetivo de criar condições para implantar a medicina de precisão no Brasil.
Fazem parte da equipe pesquisadores do Instituto de Pesquisa sobre Neurociências e Neurotecnologia (), do Centro de Pesquisa em Engenharia e Ciências Computacionais (), do Centro de Pesquisa em Terapia Celular (), do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades () e do Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias ().
Em parceria com grupos vinculados à Rede Latino-Americana de Genética Humana (RELAGH), membros da BIPMed têm trabalhado na estruturação do portal Latin American Database of Genetic Variation (LatinGen). O objetivo é centralizar as informações contidas em todos os bancos públicos de dados genômicos existentes na América Latina.
Também já estão públicos o banco do projeto Arquivo Brasileiro Online de Mutações (ABraOM), mantido pela equipe do Centro de Pesquisa sobre o Genoma Humano e Células-Tronco (), um dos CEPIDs da FAPESP, e um banco argentino vinculado ao consórcio internacional Human Variome Project (HVP).
“Grupos do México e do Chile também estão estruturando seus bancos de dados genômicos com a ajuda da equipe da BIPMed. Temos incentivado que usem algoritmos e bases de dados semelhantes – modelos sugeridos internacionalmente – para que no futuro tudo isso possa ser integrado e possa conversar com outras bases de dados do mundo”, disse Cendes.
Segundo a pesquisadora, também há grupos interessados em desenvolver bancos públicos na Venezuela, no Uruguai e na Colômbia.