Peter Moon | Agência FAPESP – Pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) testaram um tratamento com a droga nitroprussiato de sódio em uma linhagem de ratos que desenvolve espontaneamente alguns dos sintomas associados à esquizofrenia. Os resultados obtidos com um grupo de animais adolescentes sugerem que, no futuro, a doença talvez possa ser tratada de modo preventivo em jovens considerados de risco, ou seja, com casos de esquizofrenia na família.
O trabalho, coordenado por , professora do Departamento de Farmacologia da Escola Paulista de Medicina (EPM-Unifesp), e apoiado pela FAPESP, foi publicado na revista .
O nitroprussiato de sódio é um sal que, no organismo, serve como importante fonte de óxido nítrico – um potente vasodilatador. Por esse motivo, desde os anos 1920, o composto vem sendo prescrito para o tratamento de casos severos de hipertensão. Mais recentemente, observou-se que a droga poderia beneficiar também pacientes com esquizofrenia.
Em 2013, foi publicado um importante estudo de pesquisadores brasileiros no periódico , da Associação Médica Norte-Americana, relatando a descoberta dos efeitos terapêuticos da aplicação de nitroprussiato de sódio em pacientes com sintomas graves de esquizofrenia.
Liderado por , do Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) e coordenador do , o estudo revelou que a aplicação de uma única injeção de nitroprussiato de sódio proporcionou a imediata redução de sintomas positivos (alucinações, entre outros), negativos (embotamento afetivo, entre outros), de ansiedade e depressivos em pacientes com esquizofrenia severa.
“O trabalho de Hallak mostrou que, em 20 pacientes graves, internados por conta do transtorno, uma única injeção de nitroprussiato de sódio levou a uma melhora global e duradoura nos sintomas”, disse Vanessa Abílio à Agência FAPESP.
A descoberta desencadeou uma série de pesquisas e, atualmente, há fortes indícios do efeito benéfico do nitroprussiato de sódio para pacientes com esquizofrenia.
“Decidimos investigar se a droga também teria efeito preventivo sobre a esquizofrenia. Para isso, tratamos os animais antes que apresentassem as manifestações da doença”, disse a pesquisadora.
Tratando precocemente
A esquizofrenia é um transtorno neuropsiquiátrico incurável que, na maioria dos casos, manifesta-se no fim da adolescência ou no início da idade adulta. Sabe-se que diversos fatores genéticos, bioquímicos e ambientais contribuem para o seu aparecimento.
No caso de crianças e adolescentes considerados de risco para o desenvolvimento de esquizofrenia, como as que possuem doentes na família, e que podem ou não vir a desenvolver a doença (ao redor de 15% a 30% desenvolvem a doença), os médicos dispõem de meios para reconhecer sinais precoces, como déficit de atenção, tendência à introspecção, agitação e a imaginação de um mundo todo particular.
“E se a gente pudesse desenvolver um tratamento preventivo seguro para evitar que essas crianças viessem a desenvolver esquizofrenia na idade adulta?”, disse Vanessa Abílio.
A esquizofrenia apresenta três classes de sintomas. Há os chamados positivos, que envolvem a exacerbação do comportamento, os delírios, as alucinações e a desorganização do pensamento. Há os sintomas negativos, que dizem respeito ao embotamento afetivo, à pobreza de desenvolvimento social do paciente, à dificuldade de sentir prazer (anedonia) e à falta de motivação. Por fim, há os aspectos cognitivos da doença, como os déficits de atenção e de memória.
“Para estudar os efeitos preventivos da droga, nós tentamos mimetizar no modelo animal essas três classes de sintomas”, disse a professora da Unifesp.
O experimento fez uso de ratos que espontaneamente se tornam hipertensos – uma linhagem selecionada no Japão nos anos 1960 e que, desde então, vem sendo usada em modelos animais de hipertensão e problemas cardiovasculares. Esses roedores também apresentam alterações comportamentais.
“Em 2007, iniciamos estudos para mostrar que os animais dessa linhagem apresentam déficits cognitivos, de interação social e hiperlocomoção, alterações comportamentais que modelam os sintomas da esquizofrenia. Nosso objetivo era demonstrar tal similaridade para usar os ratos espontaneamente hipertensos no estudo da esquizofrenia”, disse Vanessa Abílio.
“Claro que não é possível saber se o rato está alucinando, mas tentamos identificar outros sintomas que também aparecem na esquizofrenia. Fazemos diversos testes para avaliar a capacidade cognitiva e o comportamento social dos animais”, disse.
Sabe-se que a ocorrência de alucinações em pacientes esquizofrênicos está associada ao aumento dos níveis do neurotransmissor dopamina numa determinada região cerebral. A elevação dos níveis de dopamina está também associada ao aumento da locomoção nos ratos.
“Toda essa neuroquímica já é bastante conhecida. Daí que, nos modelos pré-clínicos, quando os animais apresentam aumento de locomoção há indícios de aumento de dopamina em uma região límbica, o que também está associado aos delírios e alucinações na esquizofrenia”, disse Vanessa Abílio.
A investigação dos possíveis efeitos preventivos do nitroprussiato de sódio no modelo de esquizofrenia foi conduzida pelas duas primeiras autoras do trabalho, as biomédicas e Fernanda Fiel Peres, orientandas de Vanessa Abílio. Ratos de laboratório considerados sadios e a linhagem espontaneamente hipertensa foram submetidos a dois esquemas diferentes de tratamento.
Nos animais adultos (com mais de 90 dias) foi aplicada uma única injeção de nitroprussiato de sódio. Cerca de 24 horas após a aplicação, foram realizados testes comportamentais nos animais para verificar a ocorrência de sintomas como déficit cognitivo, déficit de interação social e alterações de locomoção.
Já no caso dos animais jovens, aqueles que tinham de 30 a 60 dias de vida, foi realizado um tratamento com duração de 30 dias e aplicação de doses diárias de nitroprussiato de sódio. Ao final do tratamento, aguardou-se um mês até que os animais completassem 90 dias de vida, sendo então considerados adultos. Foi quando se iniciaram os testes comportamentais.
Os ratos espontaneamente hipertensos adultos usados no experimento apresentavam hiperlocomoção, diminuição da interação social e déficits de memória emocional. A aplicação de uma única dose de nitroprussiato de sódio não apresentou mudanças nas alterações comportamentais dos ratos hipertensos.
Os resultados mais importantes do experimento, porém, foram observados entre os ratos jovens que receberam o tratamento prolongado. Passados os 30 dias do término das aplicações, quando os animais completaram 90 dias, tornando-se, portanto, adultos, começaram os testes de avaliação comportamental.
Muito embora o tratamento com nitroprussiato de sódio não tenha promovido qualquer efeito visível na linhagem de ratos de laboratório sadia, no caso dos ratos espontaneamente hipertensos eles deixaram de apresentar as alterações comportamentais na idade adulta associadas aos sintomas da esquizofrenia.
Em outras palavras, o tratamento com nitroprussiato de sódio preveniu o aparecimento de distúrbios comportamentais que, na sua ausência, seriam inevitáveis.
“Ainda não sabemos como é que o nitroprussiato de sódio age para prevenir o desenvolvimento dos sintomas. É o que tentamos descobrir na nova fase da pesquisa. O que se sabe é que o nitroprussiato de sódio tem efeito sobre o sistema nitrérgico [comunicação neuronal mediada por óxido nítrico] do organismo. O nitroprussiato de sódio é um doador de óxido nítrico, que é um neurotransmissor, ou seja, uma substância que faz a ligação entre os neurônios”, disse Vanessa Abílio.
“A neurotransmissão nitrérgica está alterada na esquizofrenia e modula outros sistemas de neurotransmissão associados à fisiopatologia do transtorno. Além disso, o óxido nítrico participa de processos associados ao neurodesenvolvimento, cujo curso está alterado na esquizofrenia”, disse.
De alguma forma, a administração de nitroprussiato de sódio na fase adolescente dos ratos espontaneamente hipertensos influenciou de modo benéfico toda esta cadeia de relações neuroquímicas, impedindo o aparecimento de alterações comportamentais quando os animais atingiram a idade adulta.
Segundo os autores, novos estudos são necessários para investigar se o uso de novas possibilidades terapêuticas, como o nitroprussiato de sódio, poderá tornar possível o tratamento preventivo da esquizofrenia.
O artigo Sodium nitroprusside is effective in preventing and/or reversing the development of schizophrenia-related behaviors in an animal model: The SHR strain (https://doi.org/10.1111/cns.12852), de Mariana C. Diana, Fernanda F. Peres, Veronica Justi, Rodrigo A. Bressan, Acioly L. T. Lacerda, José Alexandre Crippa, Jaime E. C. Hallak e Vanessa Costhek Abilio, está publicado em: .